São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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URBANIDADE

Hospital de brincadeira

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Mesmo depois de curadas, crianças preferem ficar no hospital, cercadas de doentes, a voltar para casa. Esse é o resultado inesperado -e trágico- de uma experiência feita no Hospital Santa Marcelina, no Itaim Paulista, bairro no extremo leste de São Paulo, região contaminada pela violência.
Convidada para chefiar o atendimento infantil do hospital, a pediatra Fernanda Maria Guimarães, formada pela Universidade de São Paulo, logo sentiu o drama mais agudo da crise familiar, que na maioria das vezes é clandestino. "Inúmeras crianças chegam aqui com sinais de maus-tratos domésticos." O hospital atende 9.000 crianças por mês.
Acostumada a trabalhar na periferia, a pediatra aprendeu uma simples lição de saúde pública: "A violência chegou a todas as idades. E a criança é a parcela que mais sofre".
Como os pacientes já chegam traumatizados pela violência doméstica, Fernanda pensou num jeito de amenizar o ambiente da internação. "Elas vivem num mundo mágico, em que se buscam as brincadeiras. Eu não queria que esse mundo se perdesse num hospital."
Saiu pedindo ajuda para montar uma brinquedoteca. Não queria, porém, que surgisse um espaço rudimentar, simplório, apenas porque sua clientela é pobre -ela queria um espaço capaz de entreter também crianças ricas, com brinquedos sofisticados, de última geração.
Além dos brinquedos, no hospital voluntários dedicam-se à narração de histórias, úteis especialmente para quem não consegue se locomover.
Da brinquedoteca, surgiu a videoteca. "Além dos filmes infantis, queremos aumentar o número de vídeos educativos. Isso pode fazer com que nossos atendidos aprendam de forma lúdica sobre o que estão passando e, assim, evitem sustos na hora da operação."
O projeto teve, porém, um efeito colateral. Muitas crianças, mesmo depois de receberem alta, não querem voltar para casa, onde não encontram nenhum estímulo e, muitas vezes, impera a violência. "Muitos deles vêm de favelas da região, onde não existem espaços de lazer. Mas, infelizmente, não dá para acolher", lamenta a pediatra. Só a doença social explica o fato de o hospital ser mais acolhedor do que a casa.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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