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URBANIDADE
Hospital de brincadeira
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Mesmo depois de curadas, crianças preferem
ficar no hospital, cercadas de
doentes, a voltar para casa. Esse
é o resultado inesperado -e trágico- de uma experiência feita
no Hospital Santa Marcelina, no
Itaim Paulista, bairro no extremo leste de São Paulo, região
contaminada pela violência.
Convidada para chefiar o
atendimento infantil do hospital, a pediatra Fernanda Maria
Guimarães, formada pela Universidade de São Paulo, logo sentiu o drama mais agudo da crise
familiar, que na maioria das vezes é clandestino. "Inúmeras
crianças chegam aqui com sinais
de maus-tratos domésticos." O
hospital atende 9.000 crianças
por mês.
Acostumada a trabalhar na
periferia, a pediatra aprendeu
uma simples lição de saúde pública: "A violência chegou a todas as idades. E a criança é a
parcela que mais sofre".
Como os pacientes já chegam
traumatizados pela violência
doméstica, Fernanda pensou
num jeito de amenizar o ambiente da internação. "Elas vivem num mundo mágico, em
que se buscam as brincadeiras.
Eu não queria que esse mundo se
perdesse num hospital."
Saiu pedindo ajuda para montar uma brinquedoteca. Não
queria, porém, que surgisse um
espaço rudimentar, simplório,
apenas porque sua clientela é
pobre -ela queria um espaço
capaz de entreter também crianças ricas, com brinquedos sofisticados, de última geração.
Além dos brinquedos, no hospital voluntários dedicam-se à
narração de histórias, úteis especialmente para quem não consegue se locomover.
Da brinquedoteca, surgiu a videoteca. "Além dos filmes infantis, queremos aumentar o número de vídeos educativos. Isso pode fazer com que nossos atendidos aprendam de forma lúdica
sobre o que estão passando e, assim, evitem sustos na hora da
operação."
O projeto teve, porém, um efeito colateral. Muitas crianças,
mesmo depois de receberem alta,
não querem voltar para casa,
onde não encontram nenhum
estímulo e, muitas vezes, impera
a violência. "Muitos deles vêm
de favelas da região, onde não
existem espaços de lazer. Mas,
infelizmente, não dá para acolher", lamenta a pediatra. Só a
doença social explica o fato de o
hospital ser mais acolhedor do
que a casa.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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