São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 2002

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NARCOTRÁFICO

Em diálogo interceptado pela Polícia Federal, traficante diz que pagaria US$ 1 milhão por sua libertação

Beira-Mar cita propina em conversa gravada

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Diálogos gravados pela Polícia Federal com autorização da Justiça mostram que Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, informou a Leonardo Dias Mendonça, o Leo, que gastaria US$ 1 milhão para sair da prisão. Para não alertar a imprensa, a libertação demoraria dois anos.
"Olha só! O doutor Vicente falou o seguinte: que ele resolve, mas antes de dois anos não, por causa da imprensa. Então, é uma coisa muito séria o cara dizer que resolve e depois me deixar a ver navio", diz Beira-Mar a Mendonça em diálogo gravado pela PF.
A PF suspeita, ainda sem provas, que o "doutor Vicente" citado seja o ministro Vicente Leal de Araújo, do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Na investigação denominada Operação Diamante, a PF cita Araújo como parte de uma rede de concessão irregular de habeas corpus nos tribunais de Brasília. O ministro nega.
Além de Araújo, a PF também suspeita que possam fazer parte da rede desembargadores federais do TRF da 1ª Região, com sede no Distrito Federal. A PF suspeita ainda que o deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE) seria responsável pela intermediação entre traficantes e magistrados.
Na semana passada, a PF prendeu Leonardo Dias Mendonça e outras 23 pessoas em oito Estados e no Distrito Federal. Elas são acusadas de integrar a quadrilha de Mendonça, que traria cocaína da Colômbia mediante acerto com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
A PF quebrou o sigilo telefônico dos suspeitos e flagrou conversas de Mendonça com o deputado Pinheiro Landim.

Suspeitas
O fato de o ministro do STJ conhecer Landim e de pedidos de habeas corpus de traficantes terem sido julgados pela 6ª turma do tribunal levaram a PF a fazer relação entre o "Vicente" citado na conversa e o ministro.
"Os contatos aqui registrados revelam também uma proximidade do deputado [Pinheiro Landim" com um ministro do STJ, possivelmente com o ministro Vicente Leal, em razão da presença do mesmo nos acórdãos [decisões judiciais" aqui elencados, os quais [foram" em benefício de narcotraficantes e que revelaram interesse do parlamentar", diz o relatório da investigação.
Segundo o relatório, Beira-Mar pedia auxílio a Mendonça para livrá-lo da prisão. O traficante preso na semana passada argumentava que os problemas deveriam ser resolvidos "no centro", e não na cidade de Beira-Mar. Ou seja, os processos seguiriam mais rápido se fossem julgados em Brasília, e não no Rio de Janeiro.
"Mas como é que vai poder resolver esse negócio? Tá na minha cidade ainda?", pergunta Beira-Mar. "Não, vão pegar e vão levar tudo pro centro", diz Mendonça.
A Folha procurou ontem durante todo o dia o deputado Pinheiro Landim. Foram deixados recados no gabinete e telefone celular do congressista, mas não houve resposta.
Ontem, comissão integrada por três ministros do STJ, criada para investigar as denúncias contra Leal, teve reunião com o delegado da PF responsável pelo caso. Os ministros ouviram trechos das gravações.
"A primeira impressão é que parece existir alguma coisa. Não sei o se o tribunal [o STJ" está envolvido, mas há conversas envolvendo irregularidades", disse o ministro Sávio de Figueiredo, que integra a comissão.

Indícios
"[Não sei" Até onde onde isso é uma montagem, querendo prejudicar certas pessoas... Eles podem apontar um determinado fato que pode acontecer. Se isso der certo, dizem que conseguiram e fazem jus a uma remuneração decorrente desse "convencimento". [..." Não há conversas do ministro [Vicente Leal de Araújo". E o ministro não é citado", disse Figueiredo.
O ministro Peçanha Martins, que é da comissão, disse que "há indícios" de irregularidade. "Saber quem está envolvido na venda é outra coisa. Os próprios julgadores podem estar sendo vendidos sem saber."


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