São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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Prédio modernista abriga mendigo no Rio

Conjunto conhecido como Pedregulho, ícone arquitetônico da década de 40 da então capital do país, vive decadência

Sem manutenção, escadas e pontes cederam, esgoto corre a céu aberto e quadra e piscina foram transferidas para uma escola

Nelson Veiga/Folha Imagem
Conjunto habitacional que é considerado um ícone do modernismo no país enfrenta degradação

FÁBIO GRELLET
DA SUCURSAL DO RIO

Um conjunto habitacional, cujo projeto se inclui entre as principais obras modernistas do país, virou abrigo de mendigos no Rio.
Apartamentos com até 80 metros quadrados, com vista para o mar, situados em condomínio com piscina, quadra esportiva, escola, lago, posto médico, lavanderia e mercado. Tudo em meio a jardins e obras de arte, na zona norte do Rio.
O que hoje parece anúncio de lançamento imobiliário para a classe média alta correspondia, em 1947, ao primeiro projeto de habitação popular criado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, então funcionário do Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal.
Reidy, franco-brasileiro nascido em Paris há cem anos, foi responsável também pelos projetos arquitetônicos do Aterro do Flamengo e do MAM (Museu de Arte Moderna).
O conjunto habitacional, em São Cristóvão, começou a ser construído em 1948 e foi inaugurado, ainda inacabado, em 1950. Chamado Mendes de Moraes em homenagem a um prefeito, ficou conhecido mesmo por Pedregulho, nome de um largo próximo dali. O prédio principal, com sete pavimentos e 272 apartamentos, só ficou pronto em 1962.
O conjunto foi concebido para abrigar funcionários da Prefeitura do Distrito Federal -o Rio, à época. Para ocupar os 56 apartamentos dos dois primeiros blocos concluídos -mediante o pagamento de uma taxa à prefeitura-, houve uma seleção com base em critérios como maior número de filhos.
Também era exigida aprovação em exame médico, pois todas as roupas eram lavadas juntas. A arquiteta Helga Santos, autora de dissertação de mestrado sobre o conjunto narra que uma família quase foi despejada porque um integrante contraiu tuberculose.
Nos primeiros anos, o projeto funcionou como Reidy previa -assistentes sociais intervinham em discussões entre vizinhos e recreadoras ficavam com as crianças.
Mas, desde que Brasília virou a capital, em 1960, a administração do conjunto passou por vários órgãos -hoje, cabe à Secretaria Estadual da Habitação- e a degradação teve início.
Aos 59 anos, o conjunto ainda atrai muita gente -principalmente arquitetos e urbanistas -, mas quase nada lembra a época áurea do imóvel.
Sem manutenção, escadas e pontes cederam. Em muitos trechos o esgoto corre a céu aberto. Algumas áreas foram invadidas por moradores de rua, que dormem nas escadas ou nas lixeiras desativadas.
Segundo Hamilton Marinho, presidente da associação de moradores, menos da metade dos moradores desembolsa os R$ 20 mensais de taxa de administração, usada para pagar os três funcionários que entregam cartas e recolhem o lixo.
A luz das áreas comuns já foi cortada tantas vezes que a conta foi dividida em blocos. O conjunto deve R$ 1 milhão pelo fornecimento de água.
A lavanderia fechou na década de 1970. A quadra e a piscina foram transferidas para a escola municipal. O lago secou e o posto médico, depredado, virou abrigo para moradores de rua.
"De vez em quando a gente ouve uns pipocos", diz a aposentada Maria Sant'Anna Souza, 88, que mora no prédio há 50 anos. "Mas não tenho medo, adoro aqui. O problema é a desorganização", diz a mulher, cujo marido, morto há quatro anos, era músico da extinta Polícia Municipal.


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