São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2001

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ADMINISTRAÇÃO

Segundo secretário, falta dinheiro e há impedimento legal para quitar dívida de R$ 970 mi deixada por Pitta

Sayad diz que só vai pagar gastos de Marta

JOÃO CARLOS SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

A política de pagamentos traçada pela Prefeitura de São Paulo para este ano prevê prioridade para despesas contratadas pela administração da prefeita Marta Suplicy (PT), segundo o secretário das Finanças, João Sayad.
Com a decisão, explicada pelo secretário por impedimentos previstos em leis e por falta de recursos, uma dívida de cerca de R$ 970 milhões da prefeitura deixará, pelo menos inicialmente, de ser paga a fornecedores, por exemplo.
"Além de não ter dinheiro, nós não temos autorização nem do Orçamento nem da Lei de Responsabilidade Fiscal."
Só com as empresas que fazem o serviço de coleta de lixo e varrição, há R$ 252 milhões em dívidas deixadas pela administração do ex-prefeito Celso Pitta (PTN), segundo o secretário.
"Não quer dizer que não pagaremos nunca, mas agora não temos perspectiva", disse Sayad em entrevista à Folha.
O secretário disse esperar que a pendência com credores não afete o fornecimento e a prestação de serviços à prefeitura.
Ele também voltou a reafirmar que não pagará no ano que vem uma parcela extra de R$ 2,1 bilhões da dívida de R$ 10,5 bilhões renegociadas com a União.
O acordo prevê que se o pagamento não for feito haverá aumento da taxa de juros anual das parcelas restantes, de 6% para 9%. Se o calote se confirmar, haverá, ainda, aumento da despesa com as parcelas mensais da dívida.
Quanto à possibilidade de a prefeitura conceder reajuste aos servidores, Sayad afirmou que não há mudanças previstas nas regras atuais, diferentemente do que deu a entender a prefeita durante a semana. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Na quarta-feira, o governador Mário Covas (PSDB) disse que os novos prefeitos deveriam, em vez de reclamar da situação financeira que herdaram, traçar um plano para saneá-la. O puxão de orelha serve para São Paulo?
João Sayad -
Acho que o governador Mário Covas, que tem toda minha simpatia, amizade e solidariedade, está com a perspectiva de tempo errada. Nós estamos no governo há 19 dias. E o que tem sido falado, pelo menos pela Prefeitura de São Paulo, é uma revelação necessária da situação que está sendo encontrada. Não se trata de reclamação, de rabugice nem de choro. Nós vamos resolver. Acho que ele (Covas) foi um pouco afobado ao dizer que está na hora de fazer alguma coisa.

Folha - Do cerca de R$ 1 bilhão de dívidas "congeladas", deixadas com fornecedores pelo ex-prefeito Celso Pitta (PTN), quanto se refere às empresas de lixo?
Sayad -
Temos um atraso, para o qual não temos nenhuma perspectiva de pagamento nem espaço orçamentário legal para pagar, de R$ 252 milhões.

Folha - Então esse valor não vai ser pago agora nem...
Sayad -
Não tem perspectiva. Não quer dizer que não pagaremos nunca, mas agora não temos perspectiva.

Folha - E há alguma reação das empresas?
Sayad -
Tenho conversado. A política financeira da prefeitura, daqui para a frente, é pagar o corrente pontualmente. O que nós contratarmos e o que estiver no Orçamento readequado será pago corretamente, pontualmente.

Folha - E as dívidas passadas?
Sayad -
O passado nós não podemos (pagar). Além de não ter dinheiro, nós não temos autorização nem do Orçamento nem da Lei de Responsabilidade Fiscal. Faltam três coisas, por ordem de importância: dinheiro, espaço no Orçamento e que a lei das finanças públicas autorize.

Folha - Por serem suspeitas?
Sayad -
Não, não. Até pode ser, mas não é por isso. É porque pela lei 4.320, das finanças públicas, e pela Lei de Responsabilidade Fiscal você não pode pagar empenhos (reservas de recursos) do Orçamento anterior para os quais não haja disponibilidade (de recursos, no ano seguinte). Então faltam três condições. Por ordem: não está no Orçamento (deste ano), há impedimento pela Lei de Responsabilidade Fiscal e não tem dinheiro.

Folha - Qual é o valor dessas pendências todas da gestão Pitta?
Sayad -
São R$ 970 milhões.

Folha - E em relação à declaração do sr. sobre a impossibilidade de a prefeitura pagar no ano que vem 20% da dívida de R$ 10,5 bilhões renegociada com União? O sr. disse que vai ser impossível fazer o pagamento dos R$ 2,1 bilhões. Qual é a diferença entre dizer que é "impossível" e que não vai pagar?
Sayad -
Acho que não tem diferença. Mas o que estou dizendo é que não vai ser pago porque é impossível. Não é uma declaração bombástica. Não é uma novidade. Veja: nós devemos R$ 15 (bilhões), para dar um número redondo. Para pagar 20% em 2002, vamos pagar R$ 3 (bilhões). Como é que uma prefeitura que arrecada R$ 7 (bilhões) pode pagar R$ 3 (bilhões) no ano de 2002? Essa é a declaração que eu dei, o Greenspan (Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA) daria, o Malan (Pedro Malan, ministro da Fazenda), o contador-geral das finanças municipais, o secretário do Tesouro Nacional. Todos sabem.

Folha - Mas...
Sayad -
Já está previsto o que acontece. Nós somos onerados com juros maior, de 6% para 9% (ao ano), e com um pagamento maior, e equivalente a 15% (atualmente, o limite de gasto anual com a dívida é de 13% da receita com tributos municipais).

Folha - Para evitar o aumento da taxa não valeria privatizar?
Sayad -
Primeiro: não sei se o valor deles é esse (os R$ 2,1 bilhões da parcela extra de 2002). Segundo: alguns dos bens públicos só um não-habitante da cidade de São Paulo poderia pensar em vender. Eles são importantes em termos de trânsito. Ninguém quer maximizar a utilização dos bens públicos, como o Pacaembu.

Folha - Em Brasília, a declaração do sr. sobre a impossibilidade de pagar os 20% da dívida (há ainda parcelas mensais que, neste ano, podem totalizar R$ 913 milhões) foi recebida como um movimento de pressão por uma renegociação.
Sayad -
Não há dúvida de que é nosso dever e nossa obrigação batalhar pelas melhores condições para a Prefeitura de São Paulo.

Folha - O governo tem se mostrado bem resistente. Eles dizem que não será possível renegociar.
Sayad -
A minha função é conseguir as melhores condições para a cidade de São Paulo.

Folha - O sr. já chamou a eventual taxa de juros de 9% ao ano de extorsiva. Que taxa não seria? Os 6%?
Sayad -
6% é a caderneta de poupança. O próprio governo está pensando que a caderneta de poupança é uma taxa muito alta. Não sei, precisa ser discutido. É um empréstimo (com prazo de pagamento) de 30 anos.

Folha - Como secretário, o sr. tem essa avaliação. E um banqueiro como avaliaria essa taxa de 9%?
Sayad -
Falar em um empréstimo de 30 anos com correção mais 6% é razoável. 9% é muito alto.

Folha - Um banqueiro teria esse ponto de vista?
Sayad -
Para um banqueiro, você tem de ver a taxa que ele paga e o que ele recebe. É diferente.

Folha - Antes da posse o sr. tinha dito que o primeiro ano da administração não seria muito brilhante, que haveria a política do "cobertor curto" e que seria difícil implantar os projetos sociais. Agora...
Sayad -
Não. Sempre disse que ia fazer uma previsão dos projetos sociais. Quando eu fizer a previsão, tenho de assinar um termo de compromisso, por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal, dizendo que consegui os recursos, que eles vêm dessa e dessa origem e que é ele um recurso que existirá para o ano um, ano dois, ano três, ano quatro e subsequentes.

Folha - Apesar dessa dificuldade financeira, a prefeita Marta Suplicy já disse que pensa em estudar um reajuste para os servidores...
Sayad -
Não, aí está mal colocado, e ela me falou sobre isso hoje (anteontem). Também as minhas palavras saíram erradas. Não é verdade isso. Nós não temos condições de dar reajuste. A verdade é: pela lei em vigor foi dado um reajuste de 3,26% (aos servidores). O governo anterior, entre as suas últimas atividades, deixou para dar esse aumento no final do ano. É um aumento legal, e é esse que está sendo concedido.

Folha - Além disso...
Sayad -
Não tem nada em discussão.

Folha - E é possível discutir?
Sayad -
Não. Nós estamos muito apertados, muito apertados.

Folha - A declaração da prefeita, então, tratava dos 3,26%?
Sayad -
É. E a minha também. Fora isso, não há novidade.

Folha - Está prevista no programa de governo da prefeita a implantação do IPTU progressivo. No programa, há uma menção sobre a aplicação de recursos, arrecadados com a nova forma de cobrança, em habitação. Seria isso mesmo?
Sayad -
Não, não pode vincular.

Folha - Há algum dado sobre o incremento de arrecadação que o IPTU progressivo pode trazer?
Sayad -
Não. Vou fazer a primeira reunião com a diretoria toda das Finanças. Vamos discutir.

Folha - Não há estudo, mas, em campanha no ano passado, o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) prometeu aumentar isenções e aumentar em 15% o IPTU de grandes empresas e bancos...
Sayad -
Não, você não pode tributar por atividade. Só em residencial e em não-residencial. Não sou expert ainda em IPTU, mas você não pode fazer isso: tributar shopping center etc. E as isenções que o Maluf dá (ofereceu em campanha à prefeitura) nós também damos. Já estão aí. Os pequenos imóveis continuarão isentos.

Folha - O Orçamento participativo começa neste ano?
Sayad -
Começa.

Folha - O sr. tem idéia de quanto será reservado do Orçamento para a população discutir a aplicação?
Sayad -
O que eu faço todos os dias é dizer que não tenho idéia de nada que implique mais despesas.

Folha - Vocês estão fazendo a readequação do Orçamento 2001, de R$ 8,1 bilhões. Como é isso? É fácil? Vocês vão tirar verbas de onde?
Sayad -
Não, não é fácil. Estamos comprimindo todas as despesas da prefeitura. Temos verbas próximas a zero para investimento. Não tem nada de fácil.

Folha - Quanto à Lei de Responsabilidade Fiscal, a prefeita tem dito que faria mudanças. E o sr.?
Sayad -
Uma coisa, que daqui a pouco não é relevante, é ter disposições transitórias. Esse R$ 1 bilhão (em dívidas) cancelado pelo Pitta é uma violência para os fornecedores e para nós.

Folha - Como ficaria?
Sayad -
Teria de ter uma previsão: primeiro ano é x, segundo ano é y. Você não pode deixar restos a pagar (dívidas) sem disponibilidade (de recursos, para pagamento no ano seguinte). Está bom. Mas eu já tenho. O que eu faço? Primeiro ano (pago) 20%, segundo 30%...

Folha - Os fornecedores encaram com normalidade o fato de não receberem? O sr. não tem problemas para manter os serviços que eles prestam à prefeitura?
Sayad -
Não sei. Espero que sim, pois estou explicando a situação da prefeitura. Entende?


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