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LETRAS JURÍDICAS
400 + 50 e uma saudade na velha academia
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Para um grupo de formados no largo São Francisco,
em São Paulo, as atuais comemorações dos 450 anos da cidade terão sabor especial. Integrantes da
Turma do Quarto Centenário,
eles concluíram o curso em 1954.
Neste meio século, desde a formatura, viveram as transformações
do planeta Terra. Cada um a seu
modo e todos, em conjunto, foram atingidos em velocidade e intensidade que o ser humano jamais havia enfrentado.
Os bacharéis daquele ano se
reuniram para o juramento solene no Salão Nobre da Faculdade
(o Anhembi era impensável). Certamente não cogitaram das muitas mudanças que enfrentariam
até hoje. Nem poderiam admitir,
por exemplo, que surgiriam mais
faculdades de direito nesta capital do que então havia no Estado
e, talvez, no Brasil. Fax, celular e
xerox estavam no futuro, assim
como o computador individual, o
disco compacto, o DVD, os carros
de injeção eletrônica. A internet,
obviamente, nem no futuro.
E o direito? Aqueles formados
viveram, em 1961, o Ato Adicional
do regime parlamentar, as Constituições de 67 e de 69, os atos institucionais da ditadura. Hoje, na
redemocratização, caminham
para 50 emendas na Carta de
1988 e milhões de novas normas
legais. Os bacharéis recordam,
mas o leitor comum talvez se espante em saber que, em 1954, o
marido tinha o direito de anular
seu casamento se, na noite de
núpcias ou nos dez primeiros dias
de matrimônio, descobrisse que a
noiva já havia sido deflorada. Na
clareza do Código Civil, a mulher
casada, então obrigada a adotar
o sobrenome do marido, era relativamente incapaz, no mesmo nível dos índios e dos menores de
idade. O uso era casar antes e, só
depois, viver junto. Aliás, o noivo
pedia a mão da noiva formalmente. A mão, veja.
Vocábulos como "craque",
"mano", "ficar", "mina" e "piranha" significavam, respectivamente, "bom jogador de bola",
"irmão", "permanecer", "escavação para extrair metais" e "peixe
de alguns rios". Os acadêmicos
iam à aula de paletó e gravata. Só
assim entravam nos melhores
cinemas.
Da turma de 1954, da qual Cesarino Junior foi paraninfo, os estudantes saíram para destinos
variados. Percorrendo o álbum
dos formandos, com suas 383 fotografias, constata-se que um número pequeno se dedicou à advocacia. Selecionei seis deles ao passar aleatoriamente pelas páginas
do álbum. Mario Sergio presidiu
o Conselho Federal da OAB. Gregori foi ministro e embaixador.
Muitos foram professores, caso de
Nair, que ocupou a cadeira de Cesarino e se aposentou como titular da academia. Outros tomaram o rumo da magistratura e do
Ministério Público. Houve também poetas, escritores, artistas,
como Vida Alves, a primeira atriz
a ser beijada na televisão brasileira. E, pai de artista, Fasano presidiu o XI de Agosto; o deputado
Wadih Helu presidiu o
Corinthians.
Ao se integrarem, mais uma
vez, ao aniversário da cidade, os
bacharéis de 1954 também terão
momentos de silêncio pelos que
partiram. Fará falta intensa e
atual o colega Benedicto Rosa,
que, durante 50 anos, movimentou as reuniões da turma com
exemplar sentido de confraternização. Era carinhosamente -e
continuou sendo- o Rosinha.
Sua missa de sétimo dia foi rezada no último domingo. Nas comemorações de formatura, nós, os
companheiros de 1954, nos lembraremos com saudade dele e dos
que tiveram a jornada
interrompida.
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