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AS BRUMAS DO TRIANON
Cerca de 80 pessoas se reúnem em parque para debater assuntos como a origem mitológica dos vampiros
Adeptos do paganismo cultuam a natureza em São Paulo
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
O endereço do encontro, distribuído em listas de discussão na
Internet, já tem um quê de enigmático: no terceiro domingo do
mês, às onze horas, em um círculo
de pedra no meio do parque.
Os convidados, porém, entendem o recado: é o encontro mensal de pagãos -seguidores de religiões pré-cristãs- no parque
Trianon, no centro de São Paulo.
O paganismo tem ganhado
adeptos em razão do livro "O Código Da Vinci", que aborda os rituais pagãos e a adoração à deusa
(leia texto ao lado).
Os participantes -cerca de
80- se reúnem em torno do círculo de pedra (um chafariz desativado). Um chapéu de bruxa passa
de mão em mão, e quem o recebe
se apresenta aos demais, alguns
com o nome "oficial", outros com
a alcunha pagã adotada. "Sou a
Blue Moon [Lua Azul]", diz a moça vestida de preto, com o cabelo
pintado de azul.
A maioria é ligada à wicca (bruxaria), ao xamanismo, de origem
indígena, e ao druidismo, que tem
como base as antigas tradições
celtas, mas há de tudo um pouco:
incluindo gente que, em sua busca espiritual, diz ter chegado à
conclusão de que deve se alimentar apenas de luz, por exemplo.
Para os demais, porém, há bolos,
doces, sucos e vinhos, levados pelos próprios participantes e distribuídos sobre uma toalha branca.
Em comum, dizem, está a crença no sagrado feminino (a deusa)
e a valorização da natureza. "Para
nós, tudo tem alma: as rochas, os
animais, os rios. E a divindade
não é algo além, separado de nós.
É um rio, uma flor, a pessoa que
está ao nosso lado", explica uma
das organizadoras do encontro, a
psicóloga Melissa Giorgetti, 27,
estudante da cultura celta.
O encontro ocorre há sete meses, no Trianon. A idéia, afirma
Melissa, surgiu da vontade de reunir pessoas que já seguiam alguma religião pagã (embora o termo
religião gere controvérsias entre
os próprios participantes) e discutiam esses assuntos na internet.
No evento são apresentadas palestras -a de ontem, por exemplo, era sobre a origem mitológica
dos vampiros- e espetáculos de
dança e música. Não é um espaço
destinado, porém, a rituais.
"Quem não participa daquela religião poderia se sentir excluído",
diz Bonita Luna -como é conhecida a atriz Maíra Garcia Mendes
de Almeida, 26.
A proposta tem dado tão certo
que já gerou filhotes: o PNT (sigla
que tem dois sentidos: Pagãos no
Trianon ou Pega no Tranco) também começou a ser realizado no
Rio de Janeiro e em Curitiba. Em
São Paulo, o Trianon foi escolhido
por ser uma das poucas áreas da
cidade a conservar mata atlântica.
A reunião chamou a atenção de
quem aproveitou o domingo de
sol para passear no parque. O judeu Yaacov Ben Rifka, 61, que,
apesar de ser brasileiro, mora em
Israel há quase 30 anos, arregalou
os olhos ao saber que era um encontro de pagãos. "Imagina como
é para mim, que sou um judeu fanático, de freqüentar sinagoga,
ver uma coisa dessas. Lá em Jerusalém não tem disso não."
Bonita Luna, que segue a bruxaria, discorda. "Para nós, não precisa ser iniciada para ser bruxa. A
avó que, antigamente, fazia um
chazinho para curar a cólica, a
benzedeira que acalmava a criança já eram bruxas."
Uma das funções do encontro é,
para ela, a desmitificação das religiões pagãs -há quem freqüente
o encontro escondido da família,
com medo de represálias. "Ninguém aqui vai sair pela Paulista
em cima de uma vassoura."
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