São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

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AS BRUMAS DO TRIANON

Cerca de 80 pessoas se reúnem em parque para debater assuntos como a origem mitológica dos vampiros

Adeptos do paganismo cultuam a natureza em São Paulo

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

O endereço do encontro, distribuído em listas de discussão na Internet, já tem um quê de enigmático: no terceiro domingo do mês, às onze horas, em um círculo de pedra no meio do parque.
Os convidados, porém, entendem o recado: é o encontro mensal de pagãos -seguidores de religiões pré-cristãs- no parque Trianon, no centro de São Paulo.
O paganismo tem ganhado adeptos em razão do livro "O Código Da Vinci", que aborda os rituais pagãos e a adoração à deusa (leia texto ao lado).
Os participantes -cerca de 80- se reúnem em torno do círculo de pedra (um chafariz desativado). Um chapéu de bruxa passa de mão em mão, e quem o recebe se apresenta aos demais, alguns com o nome "oficial", outros com a alcunha pagã adotada. "Sou a Blue Moon [Lua Azul]", diz a moça vestida de preto, com o cabelo pintado de azul.
A maioria é ligada à wicca (bruxaria), ao xamanismo, de origem indígena, e ao druidismo, que tem como base as antigas tradições celtas, mas há de tudo um pouco: incluindo gente que, em sua busca espiritual, diz ter chegado à conclusão de que deve se alimentar apenas de luz, por exemplo. Para os demais, porém, há bolos, doces, sucos e vinhos, levados pelos próprios participantes e distribuídos sobre uma toalha branca.
Em comum, dizem, está a crença no sagrado feminino (a deusa) e a valorização da natureza. "Para nós, tudo tem alma: as rochas, os animais, os rios. E a divindade não é algo além, separado de nós. É um rio, uma flor, a pessoa que está ao nosso lado", explica uma das organizadoras do encontro, a psicóloga Melissa Giorgetti, 27, estudante da cultura celta.
O encontro ocorre há sete meses, no Trianon. A idéia, afirma Melissa, surgiu da vontade de reunir pessoas que já seguiam alguma religião pagã (embora o termo religião gere controvérsias entre os próprios participantes) e discutiam esses assuntos na internet.
No evento são apresentadas palestras -a de ontem, por exemplo, era sobre a origem mitológica dos vampiros- e espetáculos de dança e música. Não é um espaço destinado, porém, a rituais. "Quem não participa daquela religião poderia se sentir excluído", diz Bonita Luna -como é conhecida a atriz Maíra Garcia Mendes de Almeida, 26.
A proposta tem dado tão certo que já gerou filhotes: o PNT (sigla que tem dois sentidos: Pagãos no Trianon ou Pega no Tranco) também começou a ser realizado no Rio de Janeiro e em Curitiba. Em São Paulo, o Trianon foi escolhido por ser uma das poucas áreas da cidade a conservar mata atlântica.
A reunião chamou a atenção de quem aproveitou o domingo de sol para passear no parque. O judeu Yaacov Ben Rifka, 61, que, apesar de ser brasileiro, mora em Israel há quase 30 anos, arregalou os olhos ao saber que era um encontro de pagãos. "Imagina como é para mim, que sou um judeu fanático, de freqüentar sinagoga, ver uma coisa dessas. Lá em Jerusalém não tem disso não."
Bonita Luna, que segue a bruxaria, discorda. "Para nós, não precisa ser iniciada para ser bruxa. A avó que, antigamente, fazia um chazinho para curar a cólica, a benzedeira que acalmava a criança já eram bruxas."
Uma das funções do encontro é, para ela, a desmitificação das religiões pagãs -há quem freqüente o encontro escondido da família, com medo de represálias. "Ninguém aqui vai sair pela Paulista em cima de uma vassoura."

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