São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 2005

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MOACYR SCLIAR

Nomes condicionam destinos. Sobrenomes também

Homens já adotam sobrenome das noivas. Criar uma nova família a partir do nome da mulher, provar o quanto essa mulher é importante na vida do casal, romper com o ranço das tradições: essas são algumas das justificativas que levam os noivos paulistanos a adotar os sobrenomes de suas noivas.
Cotidiano, 13.mar.05

Est omen in nomen (o destino está no nome). Provérbio latino

Se pelo menos eu tivesse conservado meu sobrenome, suspirava a mãe, dorido lamento que ela ouviu várias vezes em sua infância. Dorido e explicável: a mãe era uma mulher submissa, maltratada pelo marido e completamente anulada por este. Muito cedo, portanto, ela decidiu: não só manteria o sobrenome de solteira como só casaria com um homem que adotasse esse sobrenome.
Logo as oportunidades começaram a aparecer. Bonita, inteligente, ela atraía a atenção dos rapazes. Namorados não lhe faltavam, nem propostas matrimoniais, de modo que podia dar-se ao luxo de escolher.
O primeiro pretendente sério foi o Marcelo. Rapaz trabalhador, esforçado, tinha um bom futuro como executivo numa grande empresa. E queria casar. Ela disse que aceitava a proposta, mas com aquela condição, Marcelo teria de adotar o sobrenome dela. Coisa que o rapaz rejeitou, indignado. Marido adotar o sobrenome da noiva? Completa inversão de valores? De jeito nenhum. Romperam ali mesmo.
O segundo foi o Bruno, não tão sério quanto Marcelo, mas mais inteligente, brilhante, até. Namoraram algum tempo, ele propôs casamento. Quando ouviu a exigência dela, vacilou; não lhe agradava, aquilo, mas fez uma contraproposta: casariam e cada um conservaria seu sobrenome. Nada feito, retrucou ela.
O terceiro foi Arlindo. Não tão inteligente quanto o Bruno, mas muito mais afetivo. Desta vez foi ela quem levantou o assunto: quando a gente casar, disse, eu quero que você adote meu sobrenome. Ele olhou-a, espantado: a verdade é que nunca cogitara isso. Viver juntos, tudo bem; casamento, nem pensar. Ela mandou-o embora, indignada.
Agora, faz tempo que está sozinha. Mas tem observado com interesse um colega de escritório. Homem trabalhador, esforçado, inteligente (brilhante, até) afetivo. Marido ideal.
Problema: ele e ela têm o mesmo sobrenome, Silveira. Se casarem, esse Silveira será o sobrenome dela ou o dele? Se for este o caso, ela não quer nem saber.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas na Folha.


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