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MOACYR SCLIAR
Nomes condicionam destinos. Sobrenomes também
Homens já adotam sobrenome das
noivas. Criar uma nova família a
partir do nome da mulher, provar o
quanto essa mulher é importante na
vida do casal, romper com o ranço
das tradições: essas são algumas das
justificativas que levam os noivos
paulistanos a adotar os sobrenomes
de suas noivas.
Cotidiano, 13.mar.05
Est omen in nomen (o destino está no
nome). Provérbio latino
Se pelo menos eu tivesse conservado meu sobrenome, suspirava a mãe, dorido lamento que
ela ouviu várias vezes em sua infância. Dorido e explicável: a mãe
era uma mulher submissa, maltratada pelo marido e completamente anulada por este. Muito cedo, portanto, ela decidiu: não só
manteria o sobrenome de solteira
como só casaria com um homem
que adotasse esse sobrenome.
Logo as oportunidades começaram a aparecer. Bonita, inteligente, ela atraía a atenção dos rapazes. Namorados não lhe faltavam,
nem propostas matrimoniais, de
modo que podia dar-se ao luxo de
escolher.
O primeiro pretendente sério foi
o Marcelo. Rapaz trabalhador, esforçado, tinha um bom futuro como executivo numa grande empresa. E queria casar. Ela disse
que aceitava a proposta, mas com
aquela condição, Marcelo teria de
adotar o sobrenome dela. Coisa
que o rapaz rejeitou, indignado.
Marido adotar o sobrenome da
noiva? Completa inversão de valores? De jeito nenhum. Romperam ali mesmo.
O segundo foi o Bruno, não tão
sério quanto Marcelo, mas mais
inteligente, brilhante, até. Namoraram algum tempo, ele propôs
casamento. Quando ouviu a exigência dela, vacilou; não lhe agradava, aquilo, mas fez uma contraproposta: casariam e cada um
conservaria seu sobrenome. Nada
feito, retrucou ela.
O terceiro foi Arlindo. Não tão
inteligente quanto o Bruno, mas
muito mais afetivo. Desta vez foi
ela quem levantou o assunto:
quando a gente casar, disse, eu
quero que você adote meu sobrenome. Ele olhou-a, espantado: a
verdade é que nunca cogitara isso.
Viver juntos, tudo bem; casamento, nem pensar. Ela mandou-o
embora, indignada.
Agora, faz tempo que está sozinha. Mas tem observado com interesse um colega de escritório.
Homem trabalhador, esforçado,
inteligente (brilhante, até) afetivo. Marido ideal.
Problema: ele e ela têm o mesmo
sobrenome, Silveira. Se casarem,
esse Silveira será o sobrenome dela ou o dele? Se for este o caso, ela
não quer nem saber.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas na Folha.
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