São Paulo, domingo, 21 de maio de 2000


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DROGA
Ministério da Saúde e prefeituras, que distribuirão 2 milhões de seringas este ano, não atingem classes médias e altas
Programa de seringa busca usuário de elite"

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Entidades de Saúde estudam formas para chegar aos usuários de cocaína injetável "escondidos" nas classes média e alta.
Entre os cerca de 15 mil dependentes desse uso alcançados pelos programas que trocam seringas, quase todos são das classes média-baixa e baixa; 82% deles não têm emprego fixo.
Os 33 programas implantados no país devem "trocar" este ano 2 milhões de seringas. É o dobro do ano passado, mas o universo de usuários de injetáveis atingido não chegaria a 15%. Entre os que estão de fora, estão os das classes mais altas.
"Sabemos que eles existem, mas não sabemos quantos são, não temos acesso a eles nem conhecemos suas práticas", diz Denise Gandolfi, do programa de Aids e drogas do Ministério da Saúde.
A preocupação maior é com a disseminação do vírus da Aids pelo uso coletivo de agulhas. No país todo, um quinto dos casos da doença foi provocado diretamente pelas injeções. Em regiões como Itajaí, 70% dos que injetam drogas já estão contaminados.
A dificuldade é que os "usuários de elite" tendem a fugir dos serviços públicos. Os programas de redução de danos trocam seringas, levam preservativos e funcionam como o único elo de acesso dos dependentes aos serviços de Saúde. Os contatos são feitos nos pontos de picos, barracos, casas abandonadas ou terrenos baldios.
Aos usuários das classes mais altas não faltam seringas -elas custam R$ 0,30 nas farmácias. Nem faltariam locais para se aplicar. Mas podem estar faltando informações e cuidados médicos, suspeitam os especialistas. A melhor pessoa para dizer isso a eles seriam os profissionais de saúde, nos seus consultórios particulares. Para isso, precisariam ser treinados e preparados, a começar por mudanças nos currículos das escolas e orientações dos conselhos de classes.
"São estratégias que pretendemos aprofundar", diz a psicóloga Denise Doneda, do programa de Aids e drogas da Coordenação Nacional.
A preocupação com os "dependentes de elite" foi lembrada no Seminário Sul-Americano de Redução de Danos Associados ao Uso de Drogas que aconteceu esta semana em Porto Alegre.
Representantes de sete países participaram do encontro. No continente, só o Brasil e a Argentina têm programas de redução de danos para usuários de drogas injetáveis. No país, as primeiras tentativas começaram em Santos em 1989. Em Buenos Aires, o programa têm um ano.

Na prisão
Porto Alegre sediou o encontro porque em cinco anos está "trocando" metade das seringas de todo o país e virou referência na América Latina.
No final da sexta-feira, os participantes divulgaram a Carta de Porto Alegre conclamando os países latino-americanos a iniciarem e ampliarem programas. Também pediram a aprovação de leis que garantam os programas de redução. Até hoje, a troca de seringas é considerada crime pela lei de drogas em vigor.
"O maior impacto do seminário certamente foi a decisão estratégica e política de se iniciar programas de troca dentro dos presídios", disse Ricardo Kuchenbecker, coordenador da política de DST-Aids de Porto Alegre. O Presídio Central da cidade deve abrigar a primeira experiência.
A escolha tem motivos: com 2.100 presos, o Presídio Central tem cerca de 20% de seus detentos com Aids ou HIV, quase todos por uso de drogas. Também se pode dizer que ali o trabalho já começou: nos últimos anos, técnicos do programa de redução de danos da prefeitura já vêm ensinando presos a lavarem suas seringas. À frente das "oficinas de injeção limpa" para os presos está Domiciano Siqueira, que coordena o programa de Porto Alegre e é o fundador da Associação Brasileira de Redução de Danos.


Aureliano Biancarelli viajou a convite do Seminário de Redução de Danos


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