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São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Reivindicação de juízes é caso especial

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei também significa que a lei pode (e, às vezes, deve) tratar desigualmente certos casos. Ideal seria a igualdade absoluta, mas é impossível. O hoje tormentoso tema da previdência social confirma a desigualdade aceitável e entra na discussão sobre direitos de aposentadoria da magistratura e do anúncio de greve pelos juízes, se desatendidas suas reivindicações. Eles argumentam com o tratamento diferenciado para militares em tempos de paz. Acrescentam que os juízes são órgãos de Estado, o que justificaria, com predominância sobre outros setores, o tratamento mais favorável, quando da aposentadoria.
Em sentido contrário, há, porém, um segmento crítico resumido em duas posições encontradas na sociedade. De um lado, surgem os que incluem os juízes numa casta privilegiada (provida da famosa "caixa-preta"), tais os benefícios, garantias e ausência de controle efetivo que lhes são outorgados. De outro, há os que os tratam simplesmente como categoria profissional, integrada à administração pública, mas, mesmo assim, com vantagens especiais próprias da função. A casta privilegiada da alternativa inicial luta para preservar vantagens injustificáveis na voz dos críticos. Os que falam em categoria profissional, na segunda hipótese, afirmam que ela deve ter meios necessários para o exercício de sua missão e garantias especiais que se justificam em virtude da natureza de seus trabalhos. Para distingui-las, reincido no mau uso da palavra "casta". Os magistrados do contato inicial com a sociedade, nas varas, podem ser classificados como operários da Justiça. Seguramente o termo "casta" não tem nenhuma aplicação para eles. Aliás, são poucos aqueles com interesse direto e iminente na aposentadoria.
Não haveria, mesmo assim, razão quantitativa para destacar a ameaça de greve dos magistrados nas manchetes, de vez que são absurdamente minoritários na grande massa da população. Compõem algo como um centésimo de 1% dos brasileiros. São, porém, juízes. Estão no leme do monopólio estatal da justiça oferecida ao povo, em função mais que essencial, para preservar o direito dos que precisam da decisão de seus conflitos. Em face da responsabilidade resultante, fica evidente que o direito do povo é maior do que o direito de cada juiz ou mesmo de todo o conjunto deles, não admitindo a greve.
O ministro José Dirceu sustentou corretamente que o foro apropriado para as discussões sobre o projeto de modificação dos critérios de aposentadoria é o Legislativo. A matéria será discutida e aprovada ou não no Congresso Nacional antes de poder ser sancionada ou vetada pelo presidente da República. As razões do ministro são corretas em tese. Os juízes oferecem contra elas sua visão prática em dois tempos. O Poder Executivo reclama a abertura da "caixa-preta" do Judiciário em avaliação desfavorável, impossível de ser ignorada num momento em que as posições são absolutamente contrárias. O Executivo tem muita força de pressão sobre o Legislativo (às vezes chamado de "legispassivo") e, portanto, o foro parlamentar é suspeito. Por isso, as lideranças da magistratura estão achando melhor endurecer o combate desde logo, em face do projeto de reforma previdenciária, antes que seja apreciado pelos congressistas ou, pelo menos, para que o encaminhamento seja precedido das modificações que o governo não quer fazer. Minha manifestação contra a greve não se confunde com o direito dos magistrados à sua enérgica defesa coletiva, pressionando politicamente os responsáveis pelo voto congressual. Afinal, ser juiz não é ser mudo, e a pretensão de tratamento diferenciado, justa ou injusta -não importa-, é direito de cada magistrado.


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