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LETRAS JURÍDICAS
Reivindicação de juízes é caso especial
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O princípio constitucional de que todos são iguais
perante a lei também significa
que a lei pode (e, às vezes, deve)
tratar desigualmente certos casos.
Ideal seria a igualdade absoluta,
mas é impossível. O hoje tormentoso tema da previdência social
confirma a desigualdade aceitável e entra na discussão sobre direitos de aposentadoria da magistratura e do anúncio de greve pelos juízes, se desatendidas suas
reivindicações. Eles argumentam
com o tratamento diferenciado
para militares em tempos de paz.
Acrescentam que os juízes são órgãos de Estado, o que justificaria,
com predominância sobre outros
setores, o tratamento mais favorável, quando da aposentadoria.
Em sentido contrário, há, porém, um segmento crítico resumido em duas posições encontradas
na sociedade. De um lado, surgem os que incluem os juízes numa casta privilegiada (provida
da famosa "caixa-preta"), tais os
benefícios, garantias e ausência
de controle efetivo que lhes são
outorgados. De outro, há os que
os tratam simplesmente como categoria profissional, integrada à
administração pública, mas, mesmo assim, com vantagens especiais próprias da função. A casta
privilegiada da alternativa inicial
luta para preservar vantagens injustificáveis na voz dos críticos. Os
que falam em categoria profissional, na segunda hipótese, afirmam que ela deve ter meios necessários para o exercício de sua
missão e garantias especiais que
se justificam em virtude da natureza de seus trabalhos. Para distingui-las, reincido no mau uso
da palavra "casta". Os magistrados do contato inicial com a sociedade, nas varas, podem ser classificados como operários da Justiça.
Seguramente o termo "casta" não
tem nenhuma aplicação para
eles. Aliás, são poucos aqueles
com interesse direto e iminente
na aposentadoria.
Não haveria, mesmo assim, razão quantitativa para destacar a
ameaça de greve dos magistrados
nas manchetes, de vez que são absurdamente minoritários na
grande massa da população.
Compõem algo como um centésimo de 1% dos brasileiros. São, porém, juízes. Estão no leme do monopólio estatal da justiça oferecida ao povo, em função mais que
essencial, para preservar o direito
dos que precisam da decisão de
seus conflitos. Em face da responsabilidade resultante, fica evidente que o direito do povo é maior
do que o direito de cada juiz ou
mesmo de todo o conjunto deles,
não admitindo a greve.
O ministro José Dirceu sustentou corretamente que o foro apropriado para as discussões sobre o
projeto de modificação dos critérios de aposentadoria é o Legislativo. A matéria será discutida e
aprovada ou não no Congresso
Nacional antes de poder ser sancionada ou vetada pelo presidente da República. As razões do ministro são corretas em tese. Os juízes oferecem contra elas sua visão
prática em dois tempos. O Poder
Executivo reclama a abertura da
"caixa-preta" do Judiciário em
avaliação desfavorável, impossível de ser ignorada num momento em que as posições são absolutamente contrárias. O Executivo
tem muita força de pressão sobre
o Legislativo (às vezes chamado
de "legispassivo") e, portanto, o
foro parlamentar é suspeito. Por
isso, as lideranças da magistratura estão achando melhor endurecer o combate desde logo, em face
do projeto de reforma previdenciária, antes que seja apreciado
pelos congressistas ou, pelo menos, para que o encaminhamento
seja precedido das modificações
que o governo não quer fazer. Minha manifestação contra a greve
não se confunde com o direito dos
magistrados à sua enérgica defesa
coletiva, pressionando politicamente os responsáveis pelo voto
congressual. Afinal, ser juiz não é
ser mudo, e a pretensão de tratamento diferenciado, justa ou injusta -não importa-, é direito
de cada magistrado.
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