São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998

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TRADIÇÃO
O cururu, executado por homens de mais de 70 anos, resiste a ritmos carnavalescos na festa junina de Corumbá
Trio elétrico ameaça dança típica do Pantanal

RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Campo Grande

O cururu, uma brincadeira quase em extinção em Mato Grosso do Sul que mistura música, dança e sapateado, resiste na festa do São João Pantaneiro, em Corumbá, a chamada "capital do Pantanal".
A festa reúne por noite cerca de 15 mil pessoas, entre os dias 20 e 24. A parte tradicional da festa, em que os fiéis carregam a imagem do santo segurando velas e soltando rojões, é animada por músicas tocadas com a viola-de-cocho, instrumento típico no Pantanal.
O cururu é dançado exclusivamente por homens. Nem mesmo os cururueiros mais antigos sabem dizer a razão, embora neguem o machismo. Outra brincadeira típica da festa, o siriri, aceita a participação de mulheres.
As manifestações de cururu e siriri são mantidas hoje por cerca de 20 pessoas em Mato Grosso do Sul, entre cururueiros e "dançadeiras" de siriri.
Em Mato Grosso, de onde as brincadeiras teriam sido "importadas" para o sul há mais de 50 anos, as elas dão sinais de maior vitalidade, em bairros da capital, Cuiabá, e em cidades da região pantaneira, como Cáceres, Poconé e Santo Antônio de Leverger.
A pesquisadora e professora aposentada Eunice Ajala Rocha, 70, que por dez anos pesquisou o cururu para sua tese de mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), estima que haja menos de oito cururueiros em atividade hoje em Corumbá.
Eunice, que também escreveu um livro sobre a festa de São João, acha que ela está "descaracterizada" por causa da "invasão" de trios elétricos e ritmos carnavalescos, que deixaram o cururu e o siriri em segundo plano.
"Eu nem vou mais lá para assistir a lavagem do santo porque me dá tristeza. O barulho abafa a tradição", disse a historiadora.
A Prefeitura de Corumbá passou a incentivar as manifestações tradicionais. O ponto alto dos festejos de São João em Corumbá ocorre à meia-noite do dia 23, quando 15 procissões se encontram às margens do rio Paraguai, depois de descer a ladeira Cunha e Cruz.
No rio, a imagem do santo é lavada, como ocorre também em festas da região amazônica.
As procissões são acompanhadas por grupos musicais com instrumentos de percussão e de corda, inclusive violinos, misturados a trombones, pistões e saxofones. Os grupos alternam ladainhas religiosas com ritmos intensos, que para a professora Ajala se revezam até criar um "frenesi coletivo".
As letras do cururu são sacras e profanas, misturando fé, paixão e aspectos do meio ambiente pantaneiro. A viola-de-cocho -que teria surgido em Mato Grosso há mais de 200 anos- é acompanhada pelo ganzá, instrumento feito de bambu, que no Rio de Janeiro e em São Paulo é conhecido também como reco-reco.
Quando começa o cururu, a multidão se aglomera em volta dos músicos, hoje todos com mais de 70 anos. Eles cantam e dançam entre si, sapateiam e se desafiam em versos. Antigamente, o "desafio" podia acabar em morte. O siriri é formado por 16 pares de homens e mulheres, que formam uma roda.
Para muitos estudiosos, o cururu tem origem indígena. Em Cuiabá, a Associação Folclórica de Mato Grosso criou uma escola para ensinar as danças aos jovens, como forma de preservar a cultura pantaneira.




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