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TRADIÇÃO
O cururu, executado por homens de mais de 70 anos, resiste a ritmos carnavalescos na festa junina de Corumbá
Trio elétrico ameaça dança típica do Pantanal
RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Campo Grande
O cururu, uma brincadeira quase em extinção em Mato Grosso do
Sul que mistura música, dança e
sapateado, resiste na festa do São
João Pantaneiro, em Corumbá, a
chamada "capital do Pantanal".
A festa reúne por noite cerca de
15 mil pessoas, entre os dias 20 e
24. A parte tradicional da festa, em
que os fiéis carregam a imagem do
santo segurando velas e soltando
rojões, é animada por músicas tocadas com a viola-de-cocho, instrumento típico no Pantanal.
O cururu é dançado exclusivamente por homens. Nem mesmo
os cururueiros mais antigos sabem
dizer a razão, embora neguem o
machismo. Outra brincadeira típica da festa, o siriri, aceita a participação de mulheres.
As manifestações de cururu e siriri são mantidas hoje por cerca de
20 pessoas em Mato Grosso do
Sul, entre cururueiros e "dançadeiras" de siriri.
Em Mato Grosso, de onde as
brincadeiras teriam sido "importadas" para o sul há mais de 50
anos, as elas dão sinais de maior
vitalidade, em bairros da capital,
Cuiabá, e em cidades da região
pantaneira, como Cáceres, Poconé e Santo Antônio de Leverger.
A pesquisadora e professora
aposentada Eunice Ajala Rocha,
70, que por dez anos pesquisou o
cururu para sua tese de mestrado
na Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS), estima que
haja menos de oito cururueiros
em atividade hoje em Corumbá.
Eunice, que também escreveu
um livro sobre a festa de São João,
acha que ela está "descaracterizada" por causa da "invasão" de
trios elétricos e ritmos carnavalescos, que deixaram o cururu e o siriri em segundo plano.
"Eu nem vou mais lá para assistir a lavagem do santo porque me
dá tristeza. O barulho abafa a tradição", disse a historiadora.
A Prefeitura de Corumbá passou
a incentivar as manifestações tradicionais. O ponto alto dos festejos
de São João em Corumbá ocorre à
meia-noite do dia 23, quando 15
procissões se encontram às margens do rio Paraguai, depois de
descer a ladeira Cunha e Cruz.
No rio, a imagem do santo é lavada, como ocorre também em
festas da região amazônica.
As procissões são acompanhadas por grupos musicais com instrumentos de percussão e de corda, inclusive violinos, misturados
a trombones, pistões e saxofones.
Os grupos alternam ladainhas religiosas com ritmos intensos, que
para a professora Ajala se revezam
até criar um "frenesi coletivo".
As letras do cururu são sacras e
profanas, misturando fé, paixão e
aspectos do meio ambiente pantaneiro. A viola-de-cocho -que teria surgido em Mato Grosso há
mais de 200 anos- é acompanhada pelo ganzá, instrumento feito
de bambu, que no Rio de Janeiro e
em São Paulo é conhecido também como reco-reco.
Quando começa o cururu, a
multidão se aglomera em volta dos
músicos, hoje todos com mais de
70 anos. Eles cantam e dançam entre si, sapateiam e se desafiam em
versos. Antigamente, o "desafio"
podia acabar em morte. O siriri é
formado por 16 pares de homens e
mulheres, que formam uma roda.
Para muitos estudiosos, o cururu tem origem indígena. Em Cuiabá, a Associação Folclórica de Mato Grosso criou uma escola para
ensinar as danças aos jovens, como forma de preservar a cultura
pantaneira.
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