São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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SEGURANÇA

Faltam elementos necessários, como fotos, para identificação dos foragidos; investigações podem levar vários anos

Sem estrutura, polícia paulista caça 70 mil

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Investigadores da 1ª Delegacia da Divisão de Capturas de SP partem, logo pela manhã, em busca de um estelionatário foragido


ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Madrugada em São Paulo. Policiais do setor de capturas saem atrás de um estelionatário foragido há dois anos -condenado a quatro pela Justiça. Ele está entre os 70 mil procurados que a Polícia Civil estima para o Estado.
A equipe desconhece o rosto dele -a foto do RG está defasada pela época em que foi tirada- e segue denúncia anônima de seu atual endereço -o da ordem de prisão ainda é o mesmo que havia no processo de 1998, em uma cidade do interior de São Paulo.
Partem cedo porque de manhã é mais provável encontrar alguém em casa, saindo para trabalhar. O mandado de prisão não permite aos policiais entrar em uma residência apenas para verificar se um foragido está escondido ali.
O investigador que a Folha acompanha diz que não há como definir quanto tempo vão gastar para prendê-lo. É a primeira vez que ele e seus parceiros saem a campo para isso. Precisam confirmar a casa, falar com vizinhos, avaliar como e quando irão prendê-lo. ""Cada caso é um caso", afirma o delegado José Carlos Gambarini, da 1ª Delegacia da Divisão de Capturas de São Paulo, sobre as dificuldades que a unidade enfrenta para cumprir as ordens.
Há investigações de uma semana, 15 dias, quatro meses e até de mais de um ano, como a do promotor Igor Ferreira da Silva, condenado a 16 anos pelo assassinato da própria mulher, grávida de oito meses, considerado foragido desde 20 de abril de 2001.
Pior quando o procurado é de outro Estado, porque os institutos de identificação não estão interligados. ""Pode acontecer de uma pessoa ser tratada como primária em processo porque não se sabe que é procurada em outro Estado", afirma o promotor Rodrigo Canellas Dias, coordenador do Centro de Apoio às Promotorias Criminais de São Paulo. E isso faz diferença na hora de o juiz avaliar, por exemplo, um pedido de prisão apresentado pela polícia durante uma investigação.
Ou ficar escondida por anos, porque não há cadastro nacional de procurados. Foi essa deficiência que permitiu ao pedreiro Saturnino Ribeiro da Silva, 51, esconder-se em São Paulo por 19 anos. Condenado pela Justiça de Goiás pelo assassinato da mulher, ele mudou de Estado, casou de novo em Itaquaquecetuba (Grande São Paulo) e teve dois filhos. Ele pode até ter sido parado em bloqueios policiais sem que seu passado fosse descoberto.
Acabou detido em fevereiro do ano passado após um telefonema recebido pelo Disque-Denúncia de São Paulo. A ordem de prisão emitida em 1982, quando o acusado tinha 33 anos, estava para prescrever -sim, os mandados de prisão têm uma data de validade, determinada pelo montante da condenação aplicada pela Justiça.

Situação
Existem hoje cerca de 300 mil mandados de prisão não-cumpridos, número estimado pelo Ministério da Justiça a partir de relatórios dos Estados. Não se sabe o número de foragidos porque uma pessoa pode ter contra ela mais de uma ordem de prisão. E não se tem uma avaliação de quantos prescrevem antes de serem cumpridos. Fora do prazo de validade, ninguém cumpre pena.
Para ter uma idéia de quanto isso representa, basta avaliar que o país tem hoje 240,1 mil pessoas detidas. Para abrigar os 70 mil procurados de São Paulo, o Estado com mais presos (102,6 mil), seriam necessários 91 presídios do porte dos que foram construídos -1,5 vez mais do que há hoje.
Em geral, uma pessoa foragida é presa porque foi investigada pela Divisão de Capturas, denunciada por conhecidos, detida em flagrante cometendo outro delito ou acabou parada em um bloqueio de fiscalização da polícia.
""A situação de segurança no país poderia melhorar muito fazendo com que essas pessoas cumprissem as penas determinadas pela Justiça", afirma o advogado Cláudio Tucci, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, idealizador de uma central nacional de procurados anunciada em abril passado pelo ex-ministro Miguel Reale (Justiça).
A história do estelionatário lá do início termina sem prisão. Quatro horas depois da saída de São Paulo, os policiais da Divisão de Capturas voltam com a confirmação de onde ele vive. Rodaram 90 km. ""É preciso deixar a poeira abaixar para voltar e prendê-lo. Os vizinhos vão comentar que a polícia passou por lá", afirma o investigador que a Folha acompanhou. No dia seguinte, a equipe estará em outro caso.
O nome do procurado e a cidade visitada na semana passada foram omitidos porque comprometeria o cumprimento do mandado de prisão. A ordem judicial prescreve daqui a dois anos.



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