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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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SAÚDE

Segundo a Anvisa, pelo menos nove Estados não cumprem requisito mínimo de uma vistoria anual por laboratório

Produção de remédios tem controle precário

Jose Nascimento/ Folha Imagem
Área do laboratório Cristália, em São Paulo, em dos 132 que têm o certificados de Boas Práticas Farmecêuticas, expedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária


FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A única indústria farmacêutica de Rondônia foi descoberta "por acaso" pela vigilância sanitária, órgão do Estado que deveria fiscalizá-la. "Estava nas nossas barbas e não sabíamos", afirma Claiton Ferreira, o único funcionário responsável pelo controle do setor.
Apesar de existir desde 2001, a Flora Amazon só foi vistoriada em maio passado, depois da vigilância descobrir, em uma farmácia, um remédio da empresa, a base de plantas, cuja apresentação foi considerada esquisita.
Localizado em área sem asfalto do município de Vilhena, na fronteira entre Rondônia e Mato Grosso, o laboratório não tinha farmacêutico responsável presente nem controle de qualidade, e a linha de produção de fitoterápicos era tomada pela poeira do entorno de terra. Os produtos não eram registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), reguladora do setor. A produção foi suspensa.
Como no caso de Rondônia, no país inteiro há laboratórios que passam despercebidos pelo controle oficial. A indústria de medicamentos instalada no país, envolvida recentemente em casos escabrosos de irregularidades, ainda opera sem fiscalização adequada. Não há dados precisos e organizados sobre a quantidade de indústrias, o número de vistorias feitas pelas vigilâncias e os resultados das fiscalizações.
Segundo dados da Anvisa, as vigilâncias sanitárias não cumprem o requisito mínimo de uma vistoria anual em cada um dos 781 laboratórios cadastrados. A atribuição, de alta complexidade, é primordialmente do órgão estadual.
O precário sistema de acompanhamento da agência, responsável pelos sistema de informações, não informa o número real de unidades fiscalizadas, mas o total de vistorias realizadas em 2002 - 774- mostra que a meta ainda não é cumprida.
No conjunto de blitze, estão contabilizadas as que foram feitas em uma mesma empresa em mais de uma ocasião- há, portanto, laboratórios não avaliados por fiscais. Ninguém sabe quantos.
São Paulo, Estado em que está o maior parque industrial, cumpriu o mínimo de vistorias, sugerem os dados do órgão regulador. Mas, segundo a Anvisa, isso não aconteceu no Rio, que está em segundo lugar em relação ao número de indústrias, e em pelo menos oito outros Estados (veja quadro).
A maior parte dos Estados contesta os dados da agência. Em resumo, apontam desatualização do seu cadastro e alegam metas diferentes das da Anvisa.
"Esse é o principal instrumento para manter atualizadas as informações sobre as condições do parque industrial. É universal, todos os países exercem", afirma a gerente de inspeção de medicamentos da agência, Suzana Machado de Ávila, sobre as fiscalizações anuais.
As inspeções, explica, são realizadas com base em norma da Anvisa de 2001 que definiu o regulamento técnico das Boas Práticas Farmacêuticas -instruções definidas pela Organização Mundial da Saúde para diminuir os riscos na fabricação de remédios.
Para cada tipo de linha de fabricação (injetáveis, líquidos, soluções, por exemplo) há uma exigência. Por exemplo, os injetáveis têm de ser fabricados em áreas totalmente estéreis.
Nas vistorias são checados sistema de abastecimento de água, limpeza, controle de qualidade, manutenção de documentos dos lotes para rastreamento e respeito à fórmula do medicamento na fabricação. Além disso, verifica-se se a empresa audita seus fornecedores de matéria-prima.
"O principal problema ainda são as condições dos recursos humanos, quantidade e qualidade", afirma Ávila sobre as vigilâncias. O número de profissionais ainda não está de acordo com o tamanho do parque industrial, com 781 unidades cadastradas -hoje cerca de 400 profissionais trabalham no setor de vigilância no país, afirma a gerente.

Ausência de certificação
Dos 781 laboratórios instalados no país, 83% não têm o certificado de Boas Práticas Farmacêuticas, segundo dados de 2002, o que pode ser indício da má situação do setor. As possíveis explicações: ou não têm capacidade para cumprir o regulamento técnico, ou não podem pagar pelo serviço -a taxa para a concessão do certificado é de R$ 15 mil por linha de produção. Outra possível justificativa é a falta de exigência do documento por compradores.
O certificado, no entanto, segundo a Anvisa, é "essencial para as vendas", como afirma Ávila. A agência recomenda que seja exigido em licitações, por exemplo. Também costuma ser exigido em exportações. Recentemente passou a ser pedido no registro de drogas.
O certificado só é concedido pela agência depois que uma vistoria comprovar que há cumprimento de 100% das normas das boas práticas.
"Os que têm mais recursos certamente já se adequaram e solicitaram o certificado. Em geral, os que não têm não atendem às exigências", afirma o farmacêutico Vagner Miguel, da Racine, empresa que presta assessoria à indústria farmacêutica.
O setor enfrenta queda nas vendas. O faturamento anual é de US$ 5,2 bilhões, com 1,6 bilhão de unidades vendidas em 2002 (Em 97, mais de 14 bilhões de unidades foram vendidas).

Laboratórios
O presidente-executivo da Febrafarma (Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica), Ciro Mortella, não quis comentar os dados, por entender que não era politicamente interessante.
Já o presidente da Alanac (Associação de Laboratórios Nacionais, que integra a Febrafarma), Josimar Henrique da Silva, segundo sua assessoria, estava acompanhando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em viagem pela Europa e não foi localizado.

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