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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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RIO

Após 3 meses da morte de 4 homens em ação da PM, inquérito não foi concluído

Família teme omissão no caso Borel

FABIANA CIMIERI
DA SUCURSAL DO RIO

Passados mais de 90 dias da morte de quatro jovens durante uma operação da Polícia Militar no morro do Borel (Tijuca, zona norte), no dia 16 de abril, o inquérito policial e a sindicância aberta para apurar a conduta dos 16 PMs suspeitos não foram concluídos. Parentes das vítimas temem que o caso caia no esquecimento.
Além da saudade, eles têm de lidar com a queda no padrão de renda familiar. A Folha esteve no Borel no dia em que foram completados três meses dos assassinatos do mecânico Thiago Correia da Silva, 19, do estudante Carlos Magno Nascimento, 18, do pintor e pedreiro Carlos Alberto da Silva Ferreira, 21, e do taxista Everson Gonçalves Silote, 26.
Os parentes continuam abalados pela chacina. Mães e mulheres tomam doses diárias de calmantes, filhos ainda pequenos demonstram revolta, agressividade e não conseguem estudar.
A desempregada Francislaine Viana de Oliveira, 22, mulher do taxista, disse que há dias em que não tem o que dar de comer aos filhos Éverton, 6, e Éperson, 3: "Hoje mesmo tive de pedir um pouquinho de açúcar para a madrinha deles porque não tinha como adoçar o café com leite".
O taxista, com quem estava casada havia cinco anos, ganhava cerca de R$ 600 mensais.
O filho mais velho agora chama a polícia de "bicho". Na escola, a professora disse que ele precisa de um psicólogo. Além de agressivo, está com mania de se esconder debaixo da mesa, disse a mãe.
A irmã do pedreiro, Cristiane Ferreira, 23, tem de trabalhar todos os dias da semana entregando filipetas para ganhar, com a irmã, cerca de R$ 500 mensais. "Para mim, esqueceram o caso", disse.
A mãe do mecânico Thiago Correia da Silva, Dalva, 48, disse que a saudade aumenta a cada dia: "Antes imaginava que ele estava viajando", disse ela.
"Eu não aceito criar meu filho dando tudo o que posso, tanto carinho, e vir um policial dar um tiro na perna dele, ter coragem de matar, mesmo com ele implorando para não morrer."
O delegado Orlando Zaccone disse à Folha que pretende concluir o inquérito nesta semana, "provavelmente com o indiciamento dos responsáveis por homicídio qualificado, um crime hediondo". Falta uma testemunha, que tem medo de ir à delegacia identificar os assassinos.
O secretário de Direitos Humanos e corregedor das Polícias Unificadas, João Luiz Duboc Pinaud, informou que o caso não será esquecido. "Vamos agendar uma reunião para concluir a sindicância até o fim do mês."

Testemunha
Quarta-feira, 16 de abri, final da tarde. A subida para o morro do Borel estava movimentada: crianças voltam da escola, trabalhadores retornam para casas.
Na versão dos parentes, os quatro jovens combinavam uma partida de futebol no beco conhecido como Vila da Preguiça.
De repente, começam os tiros, que teriam sido dados por policiais escondidos no beco e em cima das lajes das casas, na versão de uma testemunha.
O recreador P.R., 32, outra testemunha, saía de casa quando foi ferido por um tiro de fuzil. Com o impacto, foi lançado para trás de um muro. De lá, escutou os colegas serem assassinados. Segundo ele, o mecânico implorou para não morrer. Mas foi morto.
Na versão dos PMs, defendidos pelo advogado criminalista Clóvis Sahione, os jovens morreram durante um confronto. Sahione disse que eles só responderão em juízo se os quatro mortos foram atingidos por bala perdida ou se participavam da troca de tiros.
Os policiais teriam ido à favela checar rumores de que traficantes queimariam ônibus na Tijuca. Eles se dividiram em duas equipes, uma com quatro e outra com 12 PMs. No local conhecido como Verão Vermelho, a equipe menor encontrou traficantes e houve confronto, segundo depoimento.

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