São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Jornalismo e autarquias são contraditórios

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira resposta aos críticos da criação dos conselhos federal (CFJ) e regionais de jornalismo (CRJ), constante de projeto encaminhado pelo governo federal ao Congresso, é a de que eles, além de terem apoio da Federação Nacional de Jornalistas, não trazem novidade alguma. Afinal, os advogados, os médicos e os engenheiros -para ficar em três profissões tradicionais-, afirmam os governistas, têm seus conselhos há muitos anos. São organismos operantes e úteis, como congregadores de seus inscritos, sem cuja inscrição prévia não podem exercer suas profissões. O Conselho da Ordem dos Advogados tem até especial distinção constitucional em vários dispositivos e a profissão deles é considerada essencial para a Justiça.
O argumento, sustentado com base no exemplo de outros conselhos, é defeituoso, ao menos por dois motivos. Os conselhos de jornalismo imaginados pelo governo federal serão, nos termos do artigo 1º do projeto "autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira". A comunicação social e o trabalho jornalístico têm dignidade constitucional específica, que impede até a ameaça de cerceamento de sua atividade (Constituição, artigos 5º, inciso IX, 220 e 221). Os conselhos da OAB não são autarquias, embora os de outras profissões o sejam. As autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno fiscalizadas pelo Estado. São organismos vinculados à máquina estatal. A autonomia administrativa e financeira, prevista no projeto, é um jogo de palavras. Nem mesmo o Judiciário, que é Poder (com P maiúsculo) constitucional e tem autonomia administrativa e financeira, consegue exercê-la à plenitude. A autarquia é submetida aos preceitos da administração pública, previstos no artigo 37 da Constituição. Por isso o artigo 12 do projeto impõe aos presidentes do CFJ e dos CRJs a prestação de contas ao Tribunal de Contas da União, sendo os conselhos destinados a nascerem dependentes da administração, sem liberdade plena.
O projeto distingue 17 competências para o conselho federal, no artigo 2º, a serem limitadas pelo poder dominante, quando isso lhe convenha. Os dois primeiros incisos do artigo 2º merecem referência especial. Atribuem competência ao conselho federal para "zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista" (inciso I) e para "representar em juízo ou fora dele os interesses coletivos ou individuais relativos às prerrogativas da função dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas dos sindicatos representativos da categoria" (inciso II). Se o próprio conselho não terá independência plena, como poderá zelar pela independência do jornalista?
Apesar da ressalva constante do inciso II quanto aos sindicatos, é evidente que haverá conflito dos conselhos com o cumprimento da função sindical, o que é ruim do ponto de vista da operatividade. Três alterações essenciais, porém, tornariam os conselhos viáveis. A primeira consistiria em excluir sua vinculação autárquica à administração pública. A segunda seria estabeler normas estruturais e de funcionamento na própria lei votada pelo Congresso e não deixá-las, como está no projeto, para regulamentação posterior. A terceira poderia ser representada por normas de um conselho de ética apto a equilibrar a liberdade jornalística e os direitos individuais. Seria um primeiro avanço no rumo da aceitação.


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