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LETRAS JURÍDICAS
Jornalismo e autarquias são contraditórios
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A primeira resposta aos
críticos da criação dos conselhos federal (CFJ) e regionais de
jornalismo (CRJ), constante de
projeto encaminhado pelo governo federal ao Congresso, é a de
que eles, além de terem apoio da
Federação Nacional de Jornalistas, não trazem novidade alguma. Afinal, os advogados, os médicos e os engenheiros -para ficar em três profissões tradicionais-, afirmam os governistas,
têm seus conselhos há muitos
anos. São organismos operantes e
úteis, como congregadores de seus
inscritos, sem cuja inscrição prévia não podem exercer suas profissões. O Conselho da Ordem dos
Advogados tem até especial distinção constitucional em vários
dispositivos e a profissão deles é
considerada essencial para
a Justiça.
O argumento, sustentado com
base no exemplo de outros conselhos, é defeituoso, ao menos por
dois motivos. Os conselhos de jornalismo imaginados pelo governo
federal serão, nos termos do artigo 1º do projeto "autarquias dotadas de personalidade jurídica de
direito público com autonomia
administrativa e financeira". A
comunicação social e o trabalho
jornalístico têm dignidade constitucional específica, que impede
até a ameaça de cerceamento de
sua atividade (Constituição, artigos 5º, inciso IX, 220 e 221). Os
conselhos da OAB não são autarquias, embora os de outras profissões o sejam. As autarquias são
pessoas jurídicas de direito público interno fiscalizadas pelo Estado. São organismos vinculados à
máquina estatal. A autonomia
administrativa e financeira, prevista no projeto, é um jogo de palavras. Nem mesmo o Judiciário,
que é Poder (com P maiúsculo)
constitucional e tem autonomia
administrativa e financeira, consegue exercê-la à plenitude. A autarquia é submetida aos preceitos
da administração pública, previstos no artigo 37 da Constituição.
Por isso o artigo 12 do projeto impõe aos presidentes do CFJ e dos
CRJs a prestação de contas ao Tribunal de Contas da União, sendo
os conselhos destinados a nascerem dependentes da administração, sem liberdade plena.
O projeto distingue 17 competências para o conselho federal,
no artigo 2º, a serem limitadas pelo poder dominante, quando isso
lhe convenha. Os dois primeiros
incisos do artigo 2º merecem referência especial. Atribuem competência ao conselho federal para
"zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista" (inciso I) e para
"representar em juízo ou fora dele
os interesses coletivos ou individuais relativos às prerrogativas
da função dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas
dos sindicatos representativos da
categoria" (inciso II). Se o próprio
conselho não terá independência
plena, como poderá zelar pela independência do jornalista?
Apesar da ressalva constante do
inciso II quanto aos sindicatos, é
evidente que haverá conflito dos
conselhos com o cumprimento da
função sindical, o que é ruim do
ponto de vista da operatividade.
Três alterações essenciais, porém,
tornariam os conselhos viáveis. A
primeira consistiria em excluir
sua vinculação autárquica à administração pública. A segunda
seria estabeler normas estruturais
e de funcionamento na própria lei
votada pelo Congresso e não deixá-las, como está no projeto, para
regulamentação posterior. A terceira poderia ser representada
por normas de um conselho de
ética apto a equilibrar a liberdade
jornalística e os direitos individuais. Seria um primeiro avanço
no rumo da aceitação.
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