São Paulo, sexta-feira, 21 de setembro de 2007

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BARBARA GANCIA

Tem mosca no sorvete?


O fiasco do Metrô é coisa de sorvete na testa, aquela imagem que as crianças usam para denunciar acefalia


AO OUVIR CONTAR que houve um desalinhamento de 80 cm entre dois túneis que estão sendo escavados na obra do metrô de São Paulo, a primeira reação de alguém medianamente humorado é pensar em piada de português. Os mais criativos lembrarão ainda daquele mito urbano que diz que uma escavadeira foi esquecida dentro do estádio da Portuguesa, o Canindé, durante sua construção e, uma vez finalizada a obra, ninguém mais conseguia retirar o maquinário de dentro do estádio. Acontece que, em Portugal, há grandes obras de engenharia que vêm lá do século 19, especialmente na forma de pontes pênseis, e nunca ninguém ouviu contar sobre acidentes em obras públicas que envolvam desmoronamentos capazes de engolir transeuntes ou da construção desencontrada de um túnel. O mais recente fiasco na obra da linha 4-amarela supera o limite do ridículo, é coisa de sorvete na testa, se é que o nobre leitor está familiarizado com a imagem que as crianças usam para denunciar a acefalia. Ao tomar conhecimento do caso, o ex-presidente do Dersa, engenheiro Luiz Célio Bottura, se disse estarrecido. "É algo incompatível até na engenharia primária", lamentou. Em nota oficial, o Metrô afirmou coisa parecida. Considerou a falha "incompatível com o estágio atual da engenharia". Mas será que o sorvete na testa foi mera barbeiragem? A mim só resta chamar a atenção para o problema das concorrências públicas no país em algum ato de imolação em praça pública, uma vez que já estou cansada de usar este espaço, e de colocar a boca no trombone no rádio, para perguntar como podem só cinco empresas de engenharia no país, ditas "as cinco irmãs", ganhar toda santa concorrência pública que é lançada. O leigo pode imaginar que só a OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa (com as eventuais Gautamas da vida incluídas lá e cá) possuam a expertise para realizar obras de grande porte, mas eu garanto que têm muito dono de empresa de engenharia séria por aí que se pergunta porque nunca conseguiu vencer nenhuma das licitações de que participou. Imagino que a resposta à minha persistente pergunta tenha algo a ver com o fato de que, junto com os bancos, as empreiteiras são as maiores contribuintes das campanhas eleitorais e que, se unidos, os deputados que elas elegeram na última eleição dariam uma bancada mais numerosa do que a do PT. Na quarta-feira, o TCU (Tribunal de Contas da União) constatou em relatório oficial que das 231 obras públicas fiscalizadas nos últimos meses, 179 apresentaram irregularidades. Em sua coluna de ontem, o bravo Janio de Freitas comentou: "O TCU constatou que um terço das 231 obras do governo, no valor total de R$ 23 bilhões, está viciado por irregularidades, cujo nome apropriado é corrupção". No dia anterior, outro guerreiro da escrita, Josias de Souza, notou em seu blog no UOL que as malfeitorias foram consideradas graves pelo TCU. Pois eu pergunto: alô, Geraldo Alckmin, governador responsável pela concorrência da malfadada obra do metrô! Em vez de pensar só em alianças para a próxima eleição, que tal nos explicar como se deu o processo de licitação da obra?

barbara@uol.com.br


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