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INTERNET
Para estudiosos, os "blogs" são forma de resistência ao isolamento e à falta de identidade típicos da sociedade urbana
Modernidade exige exposição, diz analista
DA REPORTAGEM LOCAL
"Escrevo [no "blog"" porque a
Cris leu e falou que eu a fiz sorrir
quando ela estava de mau humor.
Porque o Diogo disse que quase
chorou quando leu sobre meu pai
e meus irmãos. Escrevo porque
quero divertir as pessoas e emocioná-las também", escreve Ione
em um "post" -nome dado às
mensagens enviadas aos "blogs".
Na necessidade de "divertir e
emocionar" de Ione está, na opinião de alguns estudiosos das relações humanas, a explicação para a explosão dos "blogs".
"Essa necessidade de se contar
ao outro é uma característica da
modernidade e de suas grandes
cidades", diz o psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Folha e autor de "Crônicas do Individualismo Cotidiano".
"Nos centros urbanos, nossa
identidade social depende do
olhar dos outros, da forma como
eles nos percebem e nos reconhecem. Não importa onde nascemos nem em que família. Então,
precisamos atrair a atenção do
outro para garantir a nossa identidade. Por isso vamos ao cabeleireiro, fazemos tatuagens, usamos
roupas bonitas e contamos nossas
vidas em "blogs'", continua ele.
Para o psicanalista, porém, a
"aparente autenticidade" empregada aos "blogs" -alguns com
até mil visitas diárias- faz deles
instrumentos mais fiéis de interação na modernidade do que a visita ao cabeleireiro, por exemplo.
Pois a espontaneidade, diz, é um
dos ideais perseguidos nessa era.
"Eles [os "blogs"" são escritos
para carregar a marca da autenticidade, da ausência de máscara. E,
na modernidade, quanto mais somos capazes de mostrar nossas
vísceras, mais somos reconhecidos como sujeitos", conclui.
Consenso não há. Muitos
acham enriquecedora a experiência on-line. Outros vêem por trás
dela, predominantemente, a demonstração da necessidade de
uma terapia real. Mas classificar
os "blogs" como forma de resistência ao isolamento e à falta de
identidade típicos das urbes parece ser a visão mais recorrente entre as pessoas que se dedicam a estudar as relações interpessoais.
"As pessoas têm prazer em falar
delas mesmas. Se não puderem
falar delas por uma semana, ficam
sem assunto. Como a paranóia
urbana do tempo e da insegurança as afastou, elas procuram um
novo canal", afirma o psicoterapeuta José Carlos Zeppellini, que
narra um caso de um paciente
que comprou um gravador para
falar com ele mesmo.
Nostalgia do exibicionismo
"Eu sou extremamente vaidoso.
Quando as pessoas escrevem elogiando meu "blog", fico muito satisfeito", diz Miguel, 23.
A exposição de Miguel é, na prática, o que os especialistas definem na teoria como uma espécie
de nostalgia do exibicionismo.
"Todos têm o impulso de mostrar sua intimidade, pois o bebê
cresce se expondo, sendo exposto
e sendo comentado por todos",
diz o psicanalista Luiz Tenório Lima, da Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo.
"Então, vivemos uma certa nostalgia desse exibicionismo, o que
entra em choque com a nossa necessidade de privacidade urbana.
Os velhos diários também eram
escritos para que alguém lesse,
mas aí havia uma ameaça real à
privacidade. A internet resolveu
essa contradição, pois a pessoa se
expõe de forma calculada -o
quanto quiser e sem se responsabilizar pela presença do outro."
Por um lado, a "exposição calculada" -e eventualmente anônima- dá mais liberdade ao autor, acentuando a catarse e fazendo dos "blogs" verdadeiros "divãs
on-line", diz Zeppellini. Por outro, permite que se acredite na intimidade sem que ela de fato exista, na visão do sociólogo Laymert
Garcia dos Santos, da Unicamp.
A tese de Zeppellini encontra
respaldo no estudo do francês
Philippe Lejeune, professor de literatura da Universidade de Paris.
Publicado no começo deste ano,
o estudo -o mais amplo até agora sobre o recente fenômeno dos
"blogs" (eles surgiram em 1999
nos EUA)- afirma que a maioria
dos "blogueiros" franceses fizeram suas páginas logo após um
momento de forte depressão, para "botar o lixo para fora". Viram
seus problemas desestigmatizados ao perceber que casos semelhantes ocorriam com os outros.
"Eu faço meu "blog" para falar o
que eu quero. Se alguém quiser
ler, ótimo. Se não quiser, não tem
problema", diz o estudante de cinema Frederico, 18.
Falar para alguém sem rosto,
sem que importe quem leia, evidencia, para o psicanalista Jorge
Forbes, que a busca de identidade
está centrada não na comunicação com o outro, mas na interação com a própria língua.
"A passagem da industrialização para a globalização destruiu
os ideais comuns, e o mundo ficou "desbussolado". Na euforia
depressiva, as pessoas sentem necessidade de escrever -ou seja,
firmar um novo contrato com a
língua, o mais forte instrumento
de identificação do ser humano
como humano. E quando o ser
humano se reinventa, isso, como
toda a invenção, só faz sentido, só
existe, se é conhecido pelo outro,
independentemente de quem seja
esse outro."
Onde criar um "blog": com instruções em
português (weblogger.com.br); em inglês (blogger.com.br; xanga.com; citizenx.com; opendiary.com)
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