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PASQUALE CIPRO NETO
Mel e amendoim também morrem de saudade
Neste espaço, já tratei
mais de uma vez da importância de saber consultar dicionários. Note, por favor, que não me
refiro à mais do que óbvia necessidade de ter ou criar o hábito de
consultá-los; refiro-me a saber
consultá-los, o que implica conhecer os sinais e abreviaturas (devidamente explicados nas primeiras páginas da obra), ter paciência para ler todo o corpo do verbete, procurar o que o dicionário
manda procurar (os parônimos,
por exemplo) etc.
Uma das dúvidas mais comuns
de quem consulta dicionários reside no emprego do bendito hífen,
o que, como se sabe, em muitos
casos ainda é questão mal resolvida em nossa língua. O "Formulário Ortográfico Oficial", que, teoricamente, regulamenta a questão, parece não deixar dúvida
neste ponto: "Deve-se empregar o
hífen (...) nas palavras compostas
em que os elementos, com a sua
acentuação própria, não conservam, considerados isoladamente,
a sua significação, mas o conjunto constitui uma unidade semântica". Em seguida, arrolam-se alguns exemplos, entre os quais
aparece "pé-de-meia" ("mealheiro", "pecúlio").
A observação que está nos parênteses (que não é minha, é do
próprio "Formulário") talvez tenha sido feita para que não restem dúvidas sobre o que se acabou de afirmar: "pé de meia" é
uma coisa; "pé-de-meia" é outra,
bem diferente. O hífen (dois, no
caso) é empregado justamente
para indicar que, considerados
isoladamente, os elementos formadores desse composto não conservam sua significação.
Bem, e onde entram os dicionários nessa história? Imagine que,
"passeando" por um dicionário,
alguém veja o verbete "pé-de-moleque", mas não se dê ao trabalho
de ler o que lá se diz. Pode achar
que "pé-de-moleque" se escreve
sempre com hífen. Uma simples e
rápida leitura basta para ver que
"pé-de-moleque" não é o pé de
um moleque, de uma criança; é
um doce, feito com amendoim,
mel ou açúcar etc.
O leitor talvez ache isso óbvio,
mas, a julgar por um título publicado na semana passada por um
dos nossos jornais, pode-se chegar
à conclusão de que nem tudo é
tão óbvio assim. O título era este:
"Agrado retrô para pés-de-moleque matarem a saudade". Que
entende o leitor disso? Só se pode
entender que mel e amendoim
também morrem de saudade.
Sabe Deus que mistério dos mistérios fez o redator optar pela grafia "pés-de-moleque" para tratar
de tênis desenhados à semelhança
dos que se usavam nos anos 70 e
80. Terá ocorrido um dos tais casos em que não se passa de uma
ultra-rápida batida de olhos no
verbete e se conclui que aquela é a
grafia? Sabe Deus!
Não se consultam dicionários
apressadamente; o resultado pode ser muito ruim. Não custa lembrar, mais uma vez, que um menino mal educado, por exemplo, é
bem diferente de um menino
mal-educado. Entendeu, não? Em
"menino mal educado", julga-se
o processo de educação de que o
menino é alvo. Em "menino mal-educado", temos o adjetivo composto "mal-educado", cujos elementos não podem ser vistos isoladamente, mas sob a unidade semântica que compõem. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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