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MOACYR SCLIAR
Prato raro
Uma trufa branca foi vendida por 95
mil euros (R$ 240 mil) em um leilão
na Itália. A trufa branca é um tipo de
cogumelo raro que cresce abaixo da
superfície e é muito valorizada por
gourmets do mundo inteiro. Foi adquirida pelo telefone por um comprador em Hong Kong.
Folha Online, 14 de novembro de 2005
Depois de insistentes pedidos, o comprador da trufa
finalmente concordou em saborear a iguaria em público. O salão
de um refinado restaurante foi locado especialmente para isso; no
dia, diante de convidados especiais e de jornalistas, o homem tomou assento, sozinho, à mesa onde faria a tão esperada refeição.
Antes que esta fosse servida, colocou-se à disposição da mídia
para perguntas. Estas vieram em
rápida sucessão, e a todas o anfitrião respondia gentilmente; finalmente, um repórter mais contestador perguntou-lhe como se
sentia depois de ter gasto na trufa
uma quantia que poderia sustentar várias famílias por um longo
período, na África ou na América
do Sul.
Outro talvez se irritasse com a
questão, mas o homem, um conhecido milionário, apenas sorriu. Disse que um prato famoso
equivale a uma obra de arte. Se
outros podem pagar fortunas por
quadros ou esculturas, argumentou, eu também posso gastar o dinheiro, que afinal é meu, numa
lendária trufa branca. O repórter
quis prosseguir no debate, mas o
mestre-de-cerimônias anunciou
que a bandeja estava sendo trazida e que a histórica refeição teria
início. Outras perguntas ficariam
para o final.
Um garçom de luvas brancas
trouxe uma travessa de prata. Ali
estava a famosa trufa, uma espécie de massa branca, informe. Antes de começar a refeição, o milionário fez um pequeno discurso.
Contou que era filho de gente
muito pobre e que, com muito
trabalho e persistência, tinha conseguido subir na vida. A trufa que
estava diante dele era o símbolo
de seu triunfo. Nunca tinha comido aquilo, mas sempre ouvira dizer que as trufas estavam para a
culinária como os diamantes para as pedras preciosas. Aquele
prato era, portanto, o ápice de seu
triunfo, que agora seria presenciado por todos. Educadamente,
perguntou se alguém estava servido. Todos agradeceram e ele,
diante das lentes dos fotógrafos e
dos cinegrafistas, empunhou o
garfo e a faca, ambos de prata.
Cortou um pequeno pedaço da
trufa, levou-o à boca e por uns segundos mastigou-o concentradamente, todos ao redor observando-o com ansiedade.
E aí o inesperado: o homem fez
uma careta e cuspiu no prato os
restos de trufa.
- Que coisa ruim! -gemeu.
- Nunca provei comida pior em
toda minha vida!
Voltou-se para o garçom:
- Faz favor, traz um cachorro-quente e um refrigerante diet.
E antes que o homem se afastasse para atender ao pedido, completou:
- O cachorro com bastante mostarda.
Moacyr Scliar escreve às segundas, nesta coluna, um texto de ficção baseado
em reportagens publicadas no jornal.
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