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24 HORAS NO AR
Clima de festa, que reuniu cerca de 60 moradores de rua, contrasta com a realidade em torno do teatro
Albergados têm noite de gala no Municipal
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
José Francisco de Queiroz entraria fácil numa lista dos mais
elegantes no show da cantora Fortuna, realizado no último sábado
no Theatro Municipal. Terno,
gravata-borboleta e vistosos sapatos brancos acentuavam seu olhar
de Frank Sinatra. Poucos seriam
capazes de dizer que, ao sair do
teatro, Queiroz voltaria para um
dos albergues da Prefeitura de São
Paulo, onde mora há dois anos.
Assim como ele, cerca de 60 albergados foram levados pela Secretaria de Assistência Social para
o show, que integrou a programação da Virada Cultural. "Nunca
entrei aí [no teatro]. É muito bonito. Sei que vou gostar", disse
João Ferreira da Silva, 51, que vive
num albergue no Brás (centro).
Mas o clima de festa contrastava
com a situação de moradores de
rua no entorno. Na frente do teatro, um homem dormia ao relento. No largo Paysandu, a duas
quadras do teatro, João Donizette
Theodoro, 43, procurava um canto para passar a noite. Após procurar numa bolsa, na qual guardava latinhas para vender a R$
2,20 o quilo, constatou que não tinha sequer uma manta. "Queria
ter ido a um albergue", disse.
"Muita gente não gosta, mas para mim não é problema nenhum
dormir em albergue. Eu ia, tomava banho, ganhava uma roupa
nova e dormia. Mas não passou
nenhuma Kombi da prefeitura,
então fico aqui mesmo."
Questionado sobre o alto número de moradores de rua no entorno do teatro, o secretário da Assistência e Desenvolvimento Social
(SMADS), Floriano Pesaro, disse
que as abordagens para levar essas pessoas a albergues continua a
ser feita com a mesma freqüência
que durante a Operação Frentes
Frias. "O que diminui [com o fim
do inverno] é a eficácia. Quando
está quente, temos mais dificuldade para tirar as pessoas das ruas."
A cidade possui aproximadamente 12 mil moradores de rua,
segundo estimativas da própria
prefeitura. Para atender essa população, há 7.700 vagas em albergues -o que significa um déficit
de quase 4.000 vagas. Mas, para
Floriano, a oferta de abrigo não é
uma "conta matemática".
"Não adianta criar essas vagas
de uma vez porque eles não vão. A
gente tem que aproveitar quando
eles entram de forma emergencial, em períodos de frio e chuva, e
aí transformar essa vaga em permanente", disse o secretário.
"Outro desafio é o que fazer depois que eles estão no albergue.
Por isso temos as frentes de trabalho e estamos levando eles para
atividades culturais como essa."
O passeio na noite de sábado foi,
segundo a assessoria da SMADS,
a segunda vez em que albergados
foram ao Municipal -a primeira
foi em agosto e contou com a participação de cem pessoas. Os
eventos são abertos a toda a rede
de albergues e para participar,
basta o albergado se inscrever.
João Queiroz "Sinatra" não só
quis ir como fez questão de estrear o traje elegante que havia ganho há duas semanas, de uma
amiga. Após o show, já dentro da
Kombi que o levaria ao albergue,
ele se disse feliz com o passeio.
"Eu adorei. Gosto de tudo que é
fantasiado, dourado... Acho que
em outra vida fui uma artista ou
moradora de algum palácio", disse Maria Gomes Mendonça, 63,
que nessa vida mora no albergue
da Oficina Boracéa.
Na rua, encolhidos sob toldos,
moradores de rua se protegiam
da chuva.
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