São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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24 HORAS NO AR

Clima de festa, que reuniu cerca de 60 moradores de rua, contrasta com a realidade em torno do teatro

Albergados têm noite de gala no Municipal

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL


José Francisco de Queiroz entraria fácil numa lista dos mais elegantes no show da cantora Fortuna, realizado no último sábado no Theatro Municipal. Terno, gravata-borboleta e vistosos sapatos brancos acentuavam seu olhar de Frank Sinatra. Poucos seriam capazes de dizer que, ao sair do teatro, Queiroz voltaria para um dos albergues da Prefeitura de São Paulo, onde mora há dois anos.
Assim como ele, cerca de 60 albergados foram levados pela Secretaria de Assistência Social para o show, que integrou a programação da Virada Cultural. "Nunca entrei aí [no teatro]. É muito bonito. Sei que vou gostar", disse João Ferreira da Silva, 51, que vive num albergue no Brás (centro).
Mas o clima de festa contrastava com a situação de moradores de rua no entorno. Na frente do teatro, um homem dormia ao relento. No largo Paysandu, a duas quadras do teatro, João Donizette Theodoro, 43, procurava um canto para passar a noite. Após procurar numa bolsa, na qual guardava latinhas para vender a R$ 2,20 o quilo, constatou que não tinha sequer uma manta. "Queria ter ido a um albergue", disse.
"Muita gente não gosta, mas para mim não é problema nenhum dormir em albergue. Eu ia, tomava banho, ganhava uma roupa nova e dormia. Mas não passou nenhuma Kombi da prefeitura, então fico aqui mesmo."
Questionado sobre o alto número de moradores de rua no entorno do teatro, o secretário da Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), Floriano Pesaro, disse que as abordagens para levar essas pessoas a albergues continua a ser feita com a mesma freqüência que durante a Operação Frentes Frias. "O que diminui [com o fim do inverno] é a eficácia. Quando está quente, temos mais dificuldade para tirar as pessoas das ruas."
A cidade possui aproximadamente 12 mil moradores de rua, segundo estimativas da própria prefeitura. Para atender essa população, há 7.700 vagas em albergues -o que significa um déficit de quase 4.000 vagas. Mas, para Floriano, a oferta de abrigo não é uma "conta matemática".
"Não adianta criar essas vagas de uma vez porque eles não vão. A gente tem que aproveitar quando eles entram de forma emergencial, em períodos de frio e chuva, e aí transformar essa vaga em permanente", disse o secretário. "Outro desafio é o que fazer depois que eles estão no albergue. Por isso temos as frentes de trabalho e estamos levando eles para atividades culturais como essa."
O passeio na noite de sábado foi, segundo a assessoria da SMADS, a segunda vez em que albergados foram ao Municipal -a primeira foi em agosto e contou com a participação de cem pessoas. Os eventos são abertos a toda a rede de albergues e para participar, basta o albergado se inscrever.
João Queiroz "Sinatra" não só quis ir como fez questão de estrear o traje elegante que havia ganho há duas semanas, de uma amiga. Após o show, já dentro da Kombi que o levaria ao albergue, ele se disse feliz com o passeio.
"Eu adorei. Gosto de tudo que é fantasiado, dourado... Acho que em outra vida fui uma artista ou moradora de algum palácio", disse Maria Gomes Mendonça, 63, que nessa vida mora no albergue da Oficina Boracéa.
Na rua, encolhidos sob toldos, moradores de rua se protegiam da chuva.


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