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Filho de Portinari isenta Masp de responsabilidade
João Candido Portinari, que cuida do legado do artista, crê em seqüestro da obra
Para o filho do artista, que considerou o furto da obra de arte uma "tragédia", não seria possível vender um quadro tão conhecido
TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL
João Candido Portinari, 68,
filho do artista, levanta a hipótese de seqüestro da tela "O Lavrador de Café" e, por ora, não
responsabiliza o Masp.
"Não manifestaria de pronto
nenhuma crítica à segurança
nem à administração do museu. Digo isso com toda a isenção, não tenho obrigação de
preservar ninguém. Fatos como esse acontecem nos maiores museus do mundo", disse.
João Candido diz acreditar
na tese de seqüestro da obra
porque, para ele, não seria possível vender um quadro tão conhecido, e espera por um pedido de resgate.
"É uma verdadeira tragédia",
lamentou o filho do artista.
"Portinari pintou todos os
aspectos do Brasil, mas mais de
95% de sua obra é invisível para
o público [por pertencer a coleções privadas]. Saber que algo
dessa parcela ínfima que está
nos museus foi subtraída é uma
tragédia", afirma.
Matemático de formação, ex-professor da PUC-RJ, João
Candido dedica-se hoje ao Projeto Portinari, que preserva e
cataloga a obra do artista. Desde 1979, a instituição já inventariou 5.300 trabalhos.
Segundo ele, a tela roubada
remete às origens do pintor no
cafezal. "Fala também da saga
da imigração, principalmente
italiana, e dessa riqueza que é o
café para o Brasil. Todo o sangue, toda a alma dele, ele colocou naquela obra."
João Candido se diz "aflito"
com a possibilidade de o quadro estar sendo mal cuidado
pelos ladrões. "Será que eles arrancaram o chassi [estrutura de
madeira que estica a tela], será
que eles enrolaram ou dobraram a tela? Será que já há danos
irreparáveis?", indaga-se.
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista concedida por ele, por telefone, do Rio.
FOLHA - Os ladrões têm como vender a obra?
JOÃO CANDIDO PORTINARI - Não
acho que seja possível vender
uma obra tão conhecida. A hipótese que eu tenho é a de um
seqüestro. Não consigo imaginar vender isso, nem dentro do
Brasil nem fora. E acho muito
fantasiosa a hipótese de um colecionador milionário, que fica
em uma sala hermeticamente
fechada onde só ele poderá
contemplá-la, [ter encomendado o crime].
FOLHA - O sr. reviu a tela que foi
roubada há dois anos em SP?
PORTINARI - Desse caso eu não
me lembro muito bem. Tiveram outros episódios, como as
telas que foram furtadas [em
1993] da Capela Mayrink, na
Floresta da Tijuca. O altar da
capela eram quatro painéis de
Portinari. O painel do centro
era Nossa Senhora do Carmo
com o Menino Jesus no colo; de
cada lado havia um santo, São
Simão Stock e São João da
Cruz, os santos carmelitas, e
embaixo, o Purgatório. Essa
igreja estava em um lugar muito ermo e com um vigia apenas.
Durante anos, nós avisamos o
Ibama [responsável pela manutenção do local] que havia
probabilidade muito grande de
acontecer um furto ou um roubo ali. Aquelas obras deveriam
ser retiradas ou a segurança, reforçada. O Ibama não tomou
nenhuma providência e, de fato, os dois santos foram furtados. Felizmente, a polícia conseguiu deter os ladrões quando
eles estavam se preparando para levá-los para a Itália. O Ibama atendeu à nossa sugestão e
pôs essa obra em comodato no
Museu Nacional de Belas Artes
[no Rio] e réplicas na capela.
FOLHA - O senhor imaginaria que
um museu da importância e do tamanho do Masp pudesse passar por
um problema desses?
PORTINARI - Há uma coisa muito delicada aí. Eu me lembro
quando houve um incêndio no
Museu de Arte Moderna no Rio
[em 1978], queimaram-se inclusive obras importantes de
Portinari. E, naquele momento, a diretora foi crucificada. As
pessoas diziam: "Como é possível acontecer uma coisa dessas
em um museu?" Daí, fui nos arquivos do Projeto Portinari e vi
que o MoMA, o Museu de Arte
Moderna de Nova York, teve
um incêndio no qual morreu
um bombeiro e foi queimada
uma obra enorme do Portinari.
Ninguém levantou essa informação. Temos tendência, até
pelo fato de sermos submetidos
a muitos desenganos do poder
público, de achar que todo
mundo é corrupto, irresponsável, ladrão, e, às vezes, sair acusando à ligeira. Eu não manifestaria de pronto nenhuma crítica à segurança nem à administração do museu. Digo isso com
toda a isenção, não tenho obrigação de preservar ninguém.
Fatos como esse acontecem
nos maiores museus do mundo.
FOLHA - Quanto vale o quadro?
PORTINARI - Não sei. É difícil ter
parâmetro de avaliação de uma
obra dessa importância, que esteve praticamente desde o início na coleção de um museu.
Ela teve só um proprietário e
depois foi doada ao Masp.
FOLHA - Quantas obras de Portinari já foram perdidas?
PORTINARI - É difícil falar. Tem
algumas que foram incendiadas e se perderam por completo, tem obras desaparecidas...
FOLHA - E por roubo?
PORTINARI - Em todos os casos
de furto, as obras foram encontradas. Espero que seja o caso
dessa também.
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