São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

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Filho de Portinari isenta Masp de responsabilidade

João Candido Portinari, que cuida do legado do artista, crê em seqüestro da obra

Para o filho do artista, que considerou o furto da obra de arte uma "tragédia", não seria possível vender um quadro tão conhecido

TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

João Candido Portinari, 68, filho do artista, levanta a hipótese de seqüestro da tela "O Lavrador de Café" e, por ora, não responsabiliza o Masp. "Não manifestaria de pronto nenhuma crítica à segurança nem à administração do museu. Digo isso com toda a isenção, não tenho obrigação de preservar ninguém. Fatos como esse acontecem nos maiores museus do mundo", disse. João Candido diz acreditar na tese de seqüestro da obra porque, para ele, não seria possível vender um quadro tão conhecido, e espera por um pedido de resgate. "É uma verdadeira tragédia", lamentou o filho do artista.
"Portinari pintou todos os aspectos do Brasil, mas mais de 95% de sua obra é invisível para o público [por pertencer a coleções privadas]. Saber que algo dessa parcela ínfima que está nos museus foi subtraída é uma tragédia", afirma.
Matemático de formação, ex-professor da PUC-RJ, João Candido dedica-se hoje ao Projeto Portinari, que preserva e cataloga a obra do artista. Desde 1979, a instituição já inventariou 5.300 trabalhos. Segundo ele, a tela roubada remete às origens do pintor no cafezal. "Fala também da saga da imigração, principalmente italiana, e dessa riqueza que é o café para o Brasil. Todo o sangue, toda a alma dele, ele colocou naquela obra."
João Candido se diz "aflito" com a possibilidade de o quadro estar sendo mal cuidado pelos ladrões. "Será que eles arrancaram o chassi [estrutura de madeira que estica a tela], será que eles enrolaram ou dobraram a tela? Será que já há danos irreparáveis?", indaga-se.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele, por telefone, do Rio.

 

FOLHA - Os ladrões têm como vender a obra?
JOÃO CANDIDO PORTINARI -
Não acho que seja possível vender uma obra tão conhecida. A hipótese que eu tenho é a de um seqüestro. Não consigo imaginar vender isso, nem dentro do Brasil nem fora. E acho muito fantasiosa a hipótese de um colecionador milionário, que fica em uma sala hermeticamente fechada onde só ele poderá contemplá-la, [ter encomendado o crime].

FOLHA - O sr. reviu a tela que foi roubada há dois anos em SP?
PORTINARI -
Desse caso eu não me lembro muito bem. Tiveram outros episódios, como as telas que foram furtadas [em 1993] da Capela Mayrink, na Floresta da Tijuca. O altar da capela eram quatro painéis de Portinari. O painel do centro era Nossa Senhora do Carmo com o Menino Jesus no colo; de cada lado havia um santo, São Simão Stock e São João da Cruz, os santos carmelitas, e embaixo, o Purgatório. Essa igreja estava em um lugar muito ermo e com um vigia apenas. Durante anos, nós avisamos o Ibama [responsável pela manutenção do local] que havia probabilidade muito grande de acontecer um furto ou um roubo ali. Aquelas obras deveriam ser retiradas ou a segurança, reforçada. O Ibama não tomou nenhuma providência e, de fato, os dois santos foram furtados. Felizmente, a polícia conseguiu deter os ladrões quando eles estavam se preparando para levá-los para a Itália. O Ibama atendeu à nossa sugestão e pôs essa obra em comodato no Museu Nacional de Belas Artes [no Rio] e réplicas na capela.

FOLHA - O senhor imaginaria que um museu da importância e do tamanho do Masp pudesse passar por um problema desses?
PORTINARI -
Há uma coisa muito delicada aí. Eu me lembro quando houve um incêndio no Museu de Arte Moderna no Rio [em 1978], queimaram-se inclusive obras importantes de Portinari. E, naquele momento, a diretora foi crucificada. As pessoas diziam: "Como é possível acontecer uma coisa dessas em um museu?" Daí, fui nos arquivos do Projeto Portinari e vi que o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, teve um incêndio no qual morreu um bombeiro e foi queimada uma obra enorme do Portinari.
Ninguém levantou essa informação. Temos tendência, até pelo fato de sermos submetidos a muitos desenganos do poder público, de achar que todo mundo é corrupto, irresponsável, ladrão, e, às vezes, sair acusando à ligeira. Eu não manifestaria de pronto nenhuma crítica à segurança nem à administração do museu. Digo isso com toda a isenção, não tenho obrigação de preservar ninguém. Fatos como esse acontecem nos maiores museus do mundo.

FOLHA - Quanto vale o quadro?
PORTINARI -
Não sei. É difícil ter parâmetro de avaliação de uma obra dessa importância, que esteve praticamente desde o início na coleção de um museu. Ela teve só um proprietário e depois foi doada ao Masp.

FOLHA - Quantas obras de Portinari já foram perdidas?
PORTINARI -
É difícil falar. Tem algumas que foram incendiadas e se perderam por completo, tem obras desaparecidas...

FOLHA - E por roubo?
PORTINARI -
Em todos os casos de furto, as obras foram encontradas. Espero que seja o caso dessa também.


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