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"São pé-de-chinelo", diz ex-diretor da Biblioteca Nacional
Para Pedro Corrêa do Lago, ladrões por trás do crime no Masp são amadores
Ele afirma que as obras são "invendáveis", já que não há receptadores que comprem obras tão carimbadas como as de Picasso e de Portinari
DA REPORTAGEM LOCAL
O editor e bibliófilo Pedro
Corrêa do Lago não comunga
com a hipótese da polícia segundo a qual a maioria dos furtos de obras de arte é atribuída
a grupos organizados ou encomenda de colecionadores.
"Esse tipo de roubo é coisa de
pé-de-chinelo", diz Corrêa do
Lago, representante no Brasil
da Sotheby's, a maior casa de
leilões do mundo.
Segundo ele, os quadros roubados do Masp são "invendáveis" porque não há receptadores que comprem obras tão carimbadas como essas.
Ex-diretor da Biblioteca Nacional, ele já foi acusado de
compactuar com os furtos que
ocorriam na instituição. Com o
tempo, sua tese de que os furtos
da Biblioteca eram coisa de
amadores foi comprovada pela
polícia. Leia os principais trechos da entrevista.
(MARIO CESAR CARVALHO)
FOLHA - Sempre que há um roubo
de arte, a polícia diz que foi coisa de
de grupos organizados, encomenda
de algum colecionador. Faz sentido?
PEDRO CORRÊA DO LAGO - Não. Esses roubos de quadros no Brasil
são casuais, de ocasião. Os ladrões acham que haverá receptação para grandes obras de arte assim como há receptação de
celular ou de jóia roubada. Aí
descobrem que esse mercado
não existe. Esse tipo de roubo é
coisa de pé-de-chinelo.
FOLHA - Pé-de-chinelo?
CORRÊA DO LAGO - Ladrão sofisticado não usa pé-de-cabra. Os
quadros escolhidos mostram
também que não há sofisticação nenhuma no roubo. A escolha de Picasso e Portinari mostra que eles são amadores. Os
ladrões pegaram os nomes
mais óbvios da coleção do
Masp, os mais famosos para os
brasileiros.
Eles devem ter ouvido falar
que um Picasso pode valer US$
50 milhões e perceberam que
não havia muita dificuldade para conseguir um no museu.
Mas, se tivessem o mínimo de
conhecimento, eles saberiam
que esses quadros são invendáveis. Se fosse um ladrão pseudo-informado, teria talvez roubado o Velásquez, o Chardin, o
Mantegna, ou um Van Gogh,
que são alguns dos trabalhos
mais valiosos do Masp. Com o
tempo, os ladrões vão descobrir
que não têm o que fazer com o
Picasso e o Portinari. O meu
maior medo é de que destruam
esses quadros.
FOLHA - Por que essas duas obras
são invendáveis?
CORRÊA DO LAGO - No mercado
aberto ninguém compra, pois
há um cadastro na internet das
obras roubadas. No mercado
negro, ninguém nunca achou
um colecionador onanista que
fica admirando obras roubadas
em uma câmera secreta. Isso é
ficção. Só o Hitler, talvez, fizesse isso [com obras saqueadas de
colecionadores judeus]. Colecionador, por princípio, gosta
de exibir o que tem.
FOLHA - Por que o roubo de arte
tem se tornado uma rotina no país?
CORRÊA DO LAGO - Os ladrões de
bibliotecas eram uma só quadrilha que já foi desbaratada.
Na arte sacra há ocorrências
em todo o Brasil. Já os roubos
de quadros são obra do acaso,
não há uma organização por
trás. É só analisar os roubos
mais famosos dos últimos tempos. A polícia dizia que o Portinari roubado há dois anos na
galeria Thomas Cohn era uma
encomenda de colecionador,
que valia US$ 1 milhão. Depois,
encontraram o quadro sendo
vendido pelos ladrões numa
pracinha numa cidade da Grande São Paulo por R$ 10 mil. Ora,
que ladrão sofisticado vende
quadro numa pracinha?
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