São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

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"São pé-de-chinelo", diz ex-diretor da Biblioteca Nacional

Para Pedro Corrêa do Lago, ladrões por trás do crime no Masp são amadores

Ele afirma que as obras são "invendáveis", já que não há receptadores que comprem obras tão carimbadas como as de Picasso e de Portinari

DA REPORTAGEM LOCAL

O editor e bibliófilo Pedro Corrêa do Lago não comunga com a hipótese da polícia segundo a qual a maioria dos furtos de obras de arte é atribuída a grupos organizados ou encomenda de colecionadores. "Esse tipo de roubo é coisa de pé-de-chinelo", diz Corrêa do Lago, representante no Brasil da Sotheby's, a maior casa de leilões do mundo.
Segundo ele, os quadros roubados do Masp são "invendáveis" porque não há receptadores que comprem obras tão carimbadas como essas. Ex-diretor da Biblioteca Nacional, ele já foi acusado de compactuar com os furtos que ocorriam na instituição. Com o tempo, sua tese de que os furtos da Biblioteca eram coisa de amadores foi comprovada pela polícia. Leia os principais trechos da entrevista. (MARIO CESAR CARVALHO)

 

FOLHA - Sempre que há um roubo de arte, a polícia diz que foi coisa de de grupos organizados, encomenda de algum colecionador. Faz sentido?
PEDRO CORRÊA DO LAGO -
Não. Esses roubos de quadros no Brasil são casuais, de ocasião. Os ladrões acham que haverá receptação para grandes obras de arte assim como há receptação de celular ou de jóia roubada. Aí descobrem que esse mercado não existe. Esse tipo de roubo é coisa de pé-de-chinelo.

FOLHA - Pé-de-chinelo?
CORRÊA DO LAGO -
Ladrão sofisticado não usa pé-de-cabra. Os quadros escolhidos mostram também que não há sofisticação nenhuma no roubo. A escolha de Picasso e Portinari mostra que eles são amadores. Os ladrões pegaram os nomes mais óbvios da coleção do Masp, os mais famosos para os brasileiros.
Eles devem ter ouvido falar que um Picasso pode valer US$ 50 milhões e perceberam que não havia muita dificuldade para conseguir um no museu. Mas, se tivessem o mínimo de conhecimento, eles saberiam que esses quadros são invendáveis. Se fosse um ladrão pseudo-informado, teria talvez roubado o Velásquez, o Chardin, o Mantegna, ou um Van Gogh, que são alguns dos trabalhos mais valiosos do Masp. Com o tempo, os ladrões vão descobrir que não têm o que fazer com o Picasso e o Portinari. O meu maior medo é de que destruam esses quadros.

FOLHA - Por que essas duas obras são invendáveis?
CORRÊA DO LAGO -
No mercado aberto ninguém compra, pois há um cadastro na internet das obras roubadas. No mercado negro, ninguém nunca achou um colecionador onanista que fica admirando obras roubadas em uma câmera secreta. Isso é ficção. Só o Hitler, talvez, fizesse isso [com obras saqueadas de colecionadores judeus]. Colecionador, por princípio, gosta de exibir o que tem.

FOLHA - Por que o roubo de arte tem se tornado uma rotina no país?
CORRÊA DO LAGO -
Os ladrões de bibliotecas eram uma só quadrilha que já foi desbaratada. Na arte sacra há ocorrências em todo o Brasil. Já os roubos de quadros são obra do acaso, não há uma organização por trás. É só analisar os roubos mais famosos dos últimos tempos. A polícia dizia que o Portinari roubado há dois anos na galeria Thomas Cohn era uma encomenda de colecionador, que valia US$ 1 milhão. Depois, encontraram o quadro sendo vendido pelos ladrões numa pracinha numa cidade da Grande São Paulo por R$ 10 mil. Ora, que ladrão sofisticado vende quadro numa pracinha?


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