São Paulo, Sábado, 22 de Janeiro de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Não espolio, sou espoliado

WALTER CENEVIVA
Colunista da Folha

O moto de São Paulo, "non ducor, duco" ("Não sou conduzido, conduzo"), pode ser adaptado à resposta que o Estado tem dado ao senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), negando que sua economia seja espoliadora dos demais Estados, mas, ao reverso, que recursos daqui, desviados para outras regiões, ficam perdidos nas mãos de políticos interessados na satisfação dos próprios interesses.
Há algo de insinceridade dos dois lados. O senador baiano joga para a arquibancada, onde sempre é possível obter bons lucros políticos, fazendo crítica a São Paulo. Compondo o mais rico grupamento brasileiro, com renda "per capita" próxima dos níveis do primeiro mundo, a gente paulista - com suas indústrias, especialmente a automobilística - sabe que seu principal cliente é o conjunto dos demais Estados brasileiros. Até aqui o leitor não viu nada de jurídico nos primeiros parágrafos, de modo que chegou a hora de explicar. Aproveito como "gancho" o próximo aniversário da cidade.
São Paulo tem ficado fora do mando nacional, desde 1930, com Getúlio Vargas. Ao tempo dos militares, o Executivo nunca foi ocupado por um paulista. Depois deles, também não, embora Fernando Henrique Cardoso seja outro paulista que não nasceu aqui. No Legislativo, tomado o exemplo do Senado, tem-se um paradoxo constitucional.
São Paulo, com seus 33 milhões de habitantes, tem três senadores, número igual ao de cada uma das demais unidades da Federação, como - para citar apenas três, com as respectivas populações - o Acre (480 mil), Amapá (350 mil) e Roraima (280 mil). Na Câmara dos Deputados, presidida pelo professor Michel Temer (PMDB-SP), embora o artigo 45 da Carta diga que a representação por Estado será proporcional à sua população, logo limita o mínimo a 8 e o máximo (eis São Paulo contido) a 70 deputados. Resultado: Acre, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins, que, somados, têm população menor que a paulista, ostentam, em conjunto, representação maior que a dos bandeirantes, na Câmara.
Os paulistas geram cerca da metade das questões judiciais discutidas no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Deve ser grande o número de juízes paulistas nesses tribunais, pensará o leitor, estranho às coisas da magistratura. Ledo engano. Também lá a participação paulista é pequena, menor no STJ (dos 33 ministros, os de São Paulo são menos que os dedos de uma mão) que no STF.
Se na magistratura a questão está mal posicionada, talvez seja o caso de reclamarmos na entidade que mais se destaca pelas reivindicações de caráter nacional: a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Não é boa idéia. O artigo 51 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) diz que cada unidade da federação tem três conselheiros federais. Assim, das dezenas de conselheiros federais, três são escolhidos por São Paulo, embora aqui atuem 150 mil advogados e Tocantins, por exemplo, tenha cem vezes menos.
Cabe discutir se tais números devem ser mantidos. Convém alguma correção do desequilíbrio revelado, mas, de modo geral, a preservação é boa. Em primeiro lugar, porque o equilíbrio entre o econômico e o político é útil. Segundo, porque São Paulo absorve, muito naturalmente, a manifestação de gente vinda de outros Estados, que elege. Em terceiro e último lugar, porque o objetivo constitucional de redução das desigualdades regionais será facilitado no caminho a percorrer.


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