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São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

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Advogado de Mendonça foi indicado a tribunal

ROBERTO COSSO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O advogado Márcio de Assis Borges, que conseguiu a libertação, pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região (em Brasília), do traficante Leonardo Dias Mendonça, em 24 de janeiro de 2002, quase se tornou desembargador do mesmo tribunal, sete anos antes da decisão que concedeu habeas corpus a Mendonça.
Por meio da Operação Diamante, a Polícia Federal investiga a possibilidade de ter havido pagamento a juízes pela concessão de habeas corpus a traficantes.
Com o apoio do desembargador Eustáquio Silveira, Borges foi escolhido pelo TRF para integrar lista tríplice que seria submetida ao presidente da República para a nomeação de um novo membro do tribunal, no final de 1994.
Preterido por Itamar Franco, Borges recebeu convite para trabalhar como assessor do desembargador Silveira, no próprio TRF. Ficou na função de julho de 1995 a fevereiro de 1997.
Segundo revelaram grampos telefônicos feitos pela PF, Borges foi apresentado a Mendonça pelo estudante de direito Igor da Silveira, filho de Eustáquio Silveira. Quando ainda era adolescente, Igor foi apresentado a Borges por seu pai.

Amizade antiga
O advogado e o desembargador se conhecem desde 1983, quando Silveira era juiz federal no Ceará e Borges assumiu a chefia do departamento jurídico da CEF (Caixa Econômica Federal) em Fortaleza. "Tenho um irmão que é advogado em Belo Horizonte e que havia trabalhado com o Márcio. Meu irmão me recomendou que o recebesse", relata Silveira.
Na época, o ex-deputado Pinheiro Landim, acusado pela PF de intermediar a negociação de habeas corpus, era presidente da Assembléia Legislativa do Ceará.
A amizade do desembargador com o deputado renderia frutos sete anos depois, quando os dois se reencontrariam em Brasília durante o primeiro mandato de Landim na Câmara.
"Pedi a ele [Landim" que empregasse meu filho [Igor da Silveira" como secretário parlamentar. Meu filho ficou com ele nos dois primeiros mandatos", conta o desembargador federal.
Segundo a Constituição, um quinto dos tribunais é formado por pessoas de fora da carreira da magistratura. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o Ministério Público se alternam na indicação dos nomes que devem preencher essas vagas.
Cada vez que é aberta uma "vaga do quinto", uma das entidades elabora uma lista de seis profissionais e a submete ao tribunal. Os desembargadores escolhem três nomes e, no caso dos tribunais federais, os enviam ao presidente da República, que nomeia um.
Em 1994, Borges estava na lista sêxtupla enviada pela OAB ao TRF. Começou, então, a fazer "campanha" entre os desembargadores e os visitou para apresentar-se e mostrar seu currículo.
Sob o compromisso de não terem seus nomes revelados, desembargadores do TRF da 1ª Região disseram à Folha que Silveira pedia votos para Borges. Ele nega.
Realizada a votação, Borges ficou entre os três mais bem votados e teve seu nome incluído na lista tríplice enviada pelo tribunal ao presidente da República.
O então presidente Itamar Franco preferiu o advogado Carlos Fernando Mathias de Souza, que se tornou desembargador federal em 17 de fevereiro de 1995.
Homem de muitos amigos, Borges foi contratado pelo traficante Mendonça para tentar obter um habeas corpus no TRF da 1ª Região. A contratação foi mediada por Igor da Silveira, filho de Eustáquio da Silveira e então funcionário de Pinheiro Landim -o deputado federal que renunciou ao cargo no início do mês.
Levantamento nos arquivos do tribunal mostra que o habeas corpus de Mendonça é o único processo criminal em que o advogado atuou. E obteve sucesso.
Borges esperou que o tribunal estivesse em férias para entrar com um pedido de habeas corpus. Com uma quantidade menor de desembargadores trabalhando, seria mais fácil saber quem iria julgar o processo.
O pedido caiu nas mãos do desembargador Fernando Tourinho Neto, conhecido por suas posições liberais em relação à prisão preventiva. Tourinho negou liminar ao pedido, mas votou a favor da libertação de Mendonça. Foi acompanhado no julgamento por outros dois desembargadores.

Duas versões
Silveira apresentou duas versões conflitantes para sua relação com o trabalho feito por Borges. À Folha, no último dia 10, o desembargador negou que já tenha lido petições feitas pelo advogado.
Questionado sobre se Borges já havia mostrado alguma peça jurídica a ele, Silveira respondeu: "Às vezes ele conversava comigo, em tese [sem abordar casos específicos". Agora, trabalho que ele tenha feito e me mostrado, não."
A frase, porém, é contraditória com outra, dita à Folha, em 18 de dezembro. "O Márcio sempre teve muito orgulho do trabalho que faz, porque ele realmente escreve muito bem. Então, ele me mostrava o trabalho dele para eu elogiar. Trabalhos feitos para a CEF e outros, como advogado particular. Eu olhava assim, quase que sem muita fixação, sem muita atenção, e dizia para ele: "Tá bom, Márcio, é isso mesmo, tal". Isso aí eu não posso negar de maneira alguma."


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