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PASQUALE CIPRO NETO
"É gente que jaz"
No último programa da
inteligente turma do Casseta & Planeta, foi exibido um quadro que terminava com esta frase,
impressa na tela: "É gente que
jaz". O quadro satirizava uma
peça publicitária de instituição financeira já extinta.
Pouco antes da frase, um ator
meteu-se num féretro. Féretro?
Sim, é féretro mesmo, sinônimo
de "caixão", "esquife", "ataúde",
e não de "cortejo fúnebre", como
muita gente pensa.
Bem, "jaz" é a terceira pessoa
do singular do presente do indicativo do verbo "jazer". Por ser comum em lajes tumulares, essa
forma verbal e o próprio verbo
"jazer" são quase sempre associados à idéia de morte, o que faz
muita gente acreditar que "jazer"
seja sinônimo de "morrer".
É claro que o pessoal do Casseta
não tem nada com isso, mas é inegável que a cena do ator metendo-se no esquife reforça a crença.
"Jazer" não é propriamente sinônimo de "morrer". Não faria
sentido trocar "jaz" por "morre"
em frases como "Aqui jaz Fulano
de Tal". Entre outros significados,
"jazer" tem o de "estar em repouso", "estar morto ou como morto", "estar sepultado".
Curiosa e paradoxalmente, os
dicionários registram para "jazer" o significado de "viver". O
"Aurélio" dá este exemplo, de Teixeira de Pascoais: "A infância
não morre. O anjo que somos, nos
primeiros anos, jaz, como enterrado, em nossa memória".
Também é comum que se pense
que esse verbo seja defectivo, isto
é, de conjugação incompleta. Não
é. E não se deve ligar sua conjugação à de "fazer". O presente do indicativo é "jazo, jazes, jaz, jazemos...". O pretérito perfeito é "jazi, jazeste, jazeu...". A suposição
de que o verbo seja defectivo é tão
forte que o dicionário "Aurélio"
chega a fazer esta observação:
"Conjuga-se em todas as formas".
Por falar em "jazer", terá essa
palavra algo a ver com "jazida"?
É claro que sim. O que é uma jazida de minério? Nada mais do que
o "depósito natural de uma ou
mais substâncias úteis, inclusive
os combustíveis naturais", como
define o "Aurélio", que informa
que esse uso é mais comum no
Brasil. Em Portugal, usa-se "jazimento" ou "jazigo". Esta, entre
nós, é mais usada como sinônimo
de "sepultura".
O leitor possivelmente achará
esta coluna mais adequada ao
Dia de Finados do que a uma
quinta-feira pré-carnavalesca.
Pois talvez seja justamente essa
natural dificuldade de lidar com
temas fúnebres a razão de tanta
confusão com o bendito verbo
"jazer" ou com expressões como
"risco de morte". A palavra "risco" sugere coisa ruim. Costuma-se dizer "risco de infecção", "risco
de contágio", "risco de perder". O
risco é sempre de coisa ruim, mas,
quando se trata de morte...
Não foi à toa que, no poema
"Consoada", Manuel Bandeira
substituiu a morte por "A Indesejada das gentes", com letra
maiúscula e tudo.
A paradoxal construção "risco
de vida", já imposta pelo uso, resulta também do cruzamento
com formas como "risco de perder
a vida", "arriscar a vida", "pôr a
vida em risco". Em linguagem escrita formal culta, no entanto, parece mais aconselhável empregar
"risco de morte". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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