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"Esse sistema penitenciário é inteiramente falido"
LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA SUCURSAL DO RIO
Considerado o maior criminalista brasileiro vivo, o advogado
Evandro Lins e Silva, 89, diz se admirar que, com as condições carcerárias, não sejam feitas mais rebeliões nas prisões. "É uma escola
de crueldade, maldade, perversidade e insensatez."
Lins e Silva considera a suspensão de visitas aos presos, tomada
pelo governo paulista, como
"mais uma forma de castigo, de
tornar mais cruel a prisão". Ele
afirma que o convívio dos presos
com familiares deveria ser incentivado para facilitar a reintegração
social. "Ou o sujeito está querendo que ele se adapte à prisão?"
Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Lins e Silva considera
a prisão "uma morte a conta-gotas" e prega o uso de penas alternativas. Ele sugere que o governo
paulista peça ajuda a pessoas que
tenham "compreensão humana"
do problema, como d. Paulo Evaristo Arns.
Folha - Qual sua impressão da rebelião em São Paulo?
Evandro Lins e Silva - Isso vai se
agravar mais. O que me admira é
haver tão poucas rebeliões. A impressão é que os presos estão
acordando. São criaturas humanas, não podem estar sujeitos a
um infame sistema de repressão,
sem higiene, enclausurados.
As causas da criminalidade são
eminentemente sociais. Se você
não dá escola, não dá emprego,
não dá meios de sobrevivência a
milhões de cidadãos, eles vão se
transformar em delinquentes.
Nenhum pai deixaria um filho ir
para a esquina vender chiclete ou
passar fome se tivesse recurso para botá-lo na escola e dar alimentação em casa.
Folha - No caso de São Paulo, o
que as autoridades deveriam fazer?
Lins e Silva - Chamar quem tenha a cabeça no lugar para resolver o problema, quem tenha a
compreensão humana de que um
réu é uma criatura de Deus, como
as outras pessoas. Por que d. Paulo Evaristo Arns não é chamado?
É preciso tornar mais amena essa prisão que existe aí, capaz de
trazer o sujeito à sociedade outra
vez. Quando comecei, eu entrava
na Casa de Correção parecia uma
fábrica, com várias atividades que
podiam ser feitas pelos presos.
Tem que preparar para o trabalho, para o ensino, ter aula.
Folha - O que o sr. acha da decisão
de transferir presos e proibir as visitas?
Lins e Silva - É mais uma forma
de castigo, de tornar mais cruel a
prisão. Não se pode impedir a comunicação com a família. Ao
contrário. Deveriam alimentar os
laços. Ou o sujeito está querendo
que ele se adapte à prisão?
Folha - Como evitar rebeliões
desse tipo?
Lins e Silva - Não se evita. Ninguém pesca mosca no vinagre. Esse sistema penitenciário é inteiramente falido. É uma escola de
crueldade, maldade, perversidade
e insensatez.
É preciso fazer funcionar um
sistema capaz de atender o interesse social. Não precisa, necessariamente, que seja cadeia ou prisão. No crime de colarinho branco, por exemplo. Qual solução eu
daria? Botar o banqueiro na cadeia? Não. É torná-lo pobre (ri). É
uma pena muito mais severa. Outra coisa que poderia ser aplicada
ao grã-fino: proibição de viagem
ao exterior (ri).
É preciso encontrar outras formas de punição para tudo aquilo
que é considerado crime de bagatela, insignificante, em que o sujeito não põe em risco a vida
alheia. Perdas de direitos políticos, prestação de serviços à comunidade, perda de função pública...
Há também a vigilância eletrônica. Põe uma pulseira em um sujeito e sabe o que ele está fazendo.
Prisão só em último caso. Só
quando houver risco à sociedade.
Esse é o pensamento dos penalistas do mundo inteiro e da ONU.
Eu considero a prisão uma forma
de tortura. É uma morte a conta-gotas.
Folha - A opinião pública aceitaria que criminosos passionais não
fossem encarcerados?
Lins e Silva - Se fizer um plebiscito sobre a pena de morte, tenho a
impressão de que o resultado seria favorável à pena. Esse é um
problema que você não pode submeter ao julgamento da democracia popular.
Folha - De algumas décadas para
cá, uma das justificativas do sistema prisional passou a ser o da reabilitação social...
Lins e Silva - Não há essa preocupação. É só prender. Esses homens perturbam a paz dos convescotes dos palácios. Então é
preciso confiná-los, segregá-los. E
foi a sociedade quem produziu isso... Eu fico até com raiva.
Folha - Quais são os principais
males do sistema carcerário?
Lins e Silva - A promiscuidade, o
excesso de população, levando a
toda sorte de vícios. E há a condenação à Aids. Onde é que a Aids se
propaga mais? Nas prisões.
Folha - O sr. acha que basta reformar o sistema penitenciário?
Lins e Silva - Não. A reforma é
política, é claro.
Folha - O sr. apontaria responsáveis por essa situação?
Lins e Silva - É o governo brasileiro. Não tenho nenhum otimismo enquanto o comando disso
competir a pessoas que não estão
absolutamente interessadas na
sua solução.
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