São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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REVISTA
Imaginação vira trunfo para superar crise

O engenheiro-comerciante Odil Garcez Filho, que foi demitido em 82, abriu uma lanchonete e hoje dirige um negócio de carros usados O enfermeiro-babalaô Clóvis André Bispo, que foi demitido de hospital há quatro anos, joga búzios

ADRIANA VIEIRA
E GABRIELA MICHELOTTI
da Revista

Conseguir um emprego. Qualquer um. É esse hoje o principal objetivo de mais de um milhão de brasileiros -a taxa de desemprego nunca esteve tão alta. Muitos, cansados de enviar currículos e de receber a negativa de sempre, estão recorrendo a alternativas "pouco usuais" para sobreviver.
Os diplomas ficam pendurados na parede, os anos de experiência profissional são deixados de lado. Como no filme inglês "Ou Tudo Ou Nada", onde seis trabalhadores decidem tirar a roupa para tirar o pé da lama, a imaginação passa a ser o principal trunfo para quem precisa sobreviver à crise.
Depois de amargar longos períodos de depressão -financeira, amorosa e sexual-, muitos desempregados decidem deixar os pruridos pra lá e começar uma vida nova -mesmo que provisória- em áreas completamente desconhecidas. Um grupo de paulistanos, por exemplo, seguiu o mesmo caminho dos desempregados do filme. Às terças, eles se reúnem com a professora de artes sensuais Fátima Moura, que ensina receitas básicas de "como tirar a roupa de forma sensual".
O engenheiro Eymard Pinheiro da Silva, 36, é um deles. Formado em 1983, Eymard começou a trabalhar como estagiário em uma firma de consultoria de engenharia. "Depois de dois anos, eles me disseram que me efetivariam só se fosse como motorista." Ele tentou outros empregos na área, mas só esbarrou com empresas que não pagavam em dia ou o dispensavam de uma hora para outra.
"Parti para o trabalho autônomo. Mas não é um serviço de primeira necessidade, não é sempre que as empresas gastam dinheiro com um laudo técnico. Por isso, meu negócio é pequeno, com desempenho comercial tímido."
Eymard começou a fazer o curso de striptease para se soltar, ganhar auto-estima, mas descobriu que poderia ser uma boa forma de "diversificação de negócios" e complementação de renda. "Pensei: por que não? Trabalhar a sensualidade, no ramo de dança e artístico, sempre me agradou."
Seu primeiro teste na profissão aconteceu neste mês, em uma festa. "Na hora, fiquei bastante inibido. Mas acho que a primeira vez é mais difícil", diz Eymard.
Ele explica que, no show, os rapazes entram um de cada vez, com fantasias diferentes: comissário de bordo, encanador, cigano. Eymard foi de executivo. Ao som de músicas de Donna Summer e Diana Ross, eles vão tirando a roupa, até ficar só de tanga. "Enfrentar uma platéia não é tarefa fácil. Imagine, se você está sem roupa!"
No "début" do engenheiro, o que mais o preocupou foi a presença masculina. "Faz parte do show puxar algumas mulheres da platéia para dançar. Fiquei preocupado de puxar uma que estivesse acompanhada. Ia ter confusão." Segundo Eymard, a reação das mulheres varia bastante. "Puxei duas que adoraram, tiraram minha camisa. Mas uma terceira morreu de vergonha, pediu para colocá-la de volta."
Magro, sem músculos, ele não tem físico de stripper, mas acredita que isso não é barreira. "Descobri que a mulher busca mais o charme do homem comum, não precisa ter um corpo escultural ou dois metros de altura. O importante é o olhar, o jogo de sedução."
Ele não quer largar a engenharia. "Quero seguir as duas profissões e ser o empresário do grupo de strippers. Só tenho medo de que as pessoas misturem as duas coisas. Elas ligam striptease à prostituição, o que não é verdade."



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