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CIDADANIA
Para Wacquant, morador de favela quer integração
Guetos no Brasil são das classes média e alta, diz sociólogo francês
CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO
Do ponto mais alto do morro
Dona Marta, em Botafogo (zona
sul do Rio), o sociólogo francês
Loïc Wacquant, professor da Universidade de Berkeley e pesquisador do Centro de Sociologia do
Collège de France, avista o Pão de
Açúcar, o ancoradouro do Iate
Clube, os prédios da classe média
carioca e os barracos que galgam
as encostas do morro.
Para Wacquant, especialista no
estudo de processos de guetificação nas grandes cidades e de sistemas penitenciários, a visão do alto
do morro é simbólica. "Daqui se
vê o Brasil de primeiro mundo e o
da pobreza absoluta, lado a lado."
No Rio para lançar três de seus
livros ("Os Condenados da Cidade", "Punir os Pobres" e "As Prisões da Miséria"), o sociólogo
afirma que não são os pobres que
passam por um processo de isolamento em guetos no Brasil, como
acontece nos Estados Unidos,
mas sim as classes altas, que se escondem cada vez mais em bairros
fechados e prédios gradeados.
Leia abaixo trechos da entrevista de Wacquant à Folha, concedida logo após o sociólogo passar
quatro horas pelas vielas do Dona
Marta -onde aproveitou para
cortar o cabelo por R$ 5,00.
Folha - As favelas brasileiras passam por um processo de isolamento semelhante ao dos guetos de negros norte-americanos?
Loïc Wacquant - O que está acontecendo aqui, como em outras
partes, é o surgimento de novas
formas de pobreza criadas pela
desregulamentação da economia.
A imagem das favelas é a de um
lugar infernal, repleto de violência. Hoje vimos que lá as pessoas
trabalham, vivem uma rotina na
qual crianças brincam nas ruas.
Não vou negar que há muita pobreza, mas a representação desse
território como uma área totalmente destituída, desorganizada,
precisa ser modificada. Elas não
são um agregado de pessoas pobres, sem cultura.
O fato de termos entrado em
uma favela em total segurança, e
passar quatro horas lá, mostra
que é possível entrar, em condições específicas, e se sentir seguro.
O que acontece é a estigmatização
econômica e territorial. Há o desemprego, o subemprego e o estigma de morar em um lugar considerado infernal. Vimos isso nos
guetos norte-americanos, que
costumavam ser um território
onde os negros tinham orgulho
de viver. Agora ninguém se identifica com os guetos.
Folha - Estamos nesse nível de estigma social aqui?
Wacquant - O termo gueto vem
sendo usado de uma maneira metafórica em nossa sociedade, para
designar regiões de pobreza, mas
é preciso ter cuidado ao usá-lo para não aumentar a espiral da estigmatização.
Guetos são um espaço homogêneo, onde há só um tipo de população. É uma cidade separada
dentro da cidade. As favelas vivem uma relação simbiótica com
a cidade, não são totalmente separadas. Os moradores trabalham
fora, a cabeleireira que cortou
meu cabelo mora em outro bairro
e trabalha lá. As fronteiras entre as
favelas e a cidade são tênues.
Os guetos sempre foram uma
forma de controle étnico-racial,
para que uma categoria estigmatizada não "contaminasse" o restante da sociedade. Mas as favelas
são uma comunidade de trabalhadores. Há diferenças entre elas,
mas são variações sobre o tema da
sobrevivência diária em condições extremas, de marginalidade
econômica. As favelas são mais
antiguetos do que guetos. O que
seus moradores querem é ser
iguais ao restante da cidade.
Folha - Então não se pode falar
em um processo de "guetificação"
das favelas brasileiras?
Wacquant - A dinâmica de guetificação aqui vem das classes mais
altas, que querem criar seus guetos, com seus bairros fechados.
Quando saímos da favela, o que
vimos? A prefeitura com seus muros altos, algumas áreas comerciais, como se formassem um cinturão de proteção, e logo depois
grandes prédios de classe média e
alta, gradeados como prisões. São
prisões limpas, bonitas, auto-impostas, nas quais as pessoas escolheram viver. É nesses locais que
as classes médias e altas brasileiras estão se segregando.
Folha - Qual o papel do tráfico
neste cenário?
Wacquant - A proposta neoliberal de desregulamentação da economia, usando a desculpa da globalização, aumenta o desemprego
e o subemprego. Os mais pobres
voltam-se para a economia das
ruas, e nela qual é a mais confiável? A economia ilegal, principalmente o tráfico.
As propriedades que costumávamos atribuir ao mercado de
trabalho estão todas lá: fornece
empregos com os quais se pode
contar, há salários decentes, há
possibilidade de ascensão profissional. É uma economia corporativa, na qual se pode confiar. Não
há o receio de que seu emprego vá
desaparecer na próxima semana
ou no próximo ano.
O paradoxo é que todas as qualidades da economia formal foram transferidas para a economia
da droga. Então, por que a surpresa quando as pessoas se voltam
para esse "mercado de trabalho"?
Para os que aceitam, isso faz sentido, economicamente falando. E o
Estado, não só no Brasil, usa o tráfico para justificar a estratégia de
repressão e violência policial.
Folha - Qual seria a solução?
Wacquant - O país pode optar
por um caminho difícil, de tentar
criar formas de proteção contra
essa economia de mercado, regulamentando a economia de uma
forma inteligente, talvez regularizando a economia informal para
diminuir a desigualdade social.
Ou pode importar o modelo americano de punição dos pobres,
com um Estado policial muito
violento, o que pode levar a uma
outra forma de ditadura.
Ela poderá ser boa para alguns,
mas para todo o restante será a ditadura do mercado e do Estado
policial, que depois de ser aplicado aos pobres e favelados, quem
sabe onde irá parar?
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