São Paulo, domingo, 22 de abril de 2001

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SAÚDE

Antidepressivo tem "armadilha sexual"

LUIZ CAVERSAN
EDITOR DO TV FOLHA

Uma "armadilha sexual". Assim um paciente que buscou tratamento para depressão e encontrou o fantasma da impotência a rondar sua vida descreve a experiência de tomar antidepressivos.
Uma situação que colocou esse homem da faixa dos 40 anos diante de um dilema: continuar o tratamento em busca de uma vida pelo menos suportável, mas sacrificando a sexualidade, ou abandonar os remédios e "aguentar a barra" em nome da virilidade?
De acordo com estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o impacto das doenças, a depressão é uma das moléstias que provocam maior comprometimento das atividades sociais e sofrimento em uma pessoa.
Há um obstáculo adicional: em maior ou menor grau, praticamente todas as substâncias conhecidas para combater a depressão têm o transtorno sexual como efeito colateral. Esse "inconveniente" geralmente está especificado na própria bula dos remédios que estão à venda.
Para "mapear" as proporções e detalhes desse inconveniente causado por medicamentos, está sendo feita uma pesquisa inédita no país. Ela deverá ficar pronta até o fim do ano, conduzida por dois professores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e um professor da Universidade Estadual de Maringá (PR), também aluno de mestrado da EPM.
O objetivo do estudo -levado a cabo pelos psiquiatras Mauro Porcu (do Paraná), Jair Mari e Marcos Ferraz (professores da Unifesp)- é levantar com psiquiatras de São Paulo e do Paraná um número de casos suficientes que permita traçar um perfil do efeito desse tipo de medicamento na sexualidade do paciente.
Segundo Mauro Porcu, o transtorno sexual em pacientes deprimidos pode ser decorrência da própria doença, mas pode persistir após o início do tratamento ou, principalmente, surgir em decorrência do uso do remédio.
O estudo pretende detectar detalhes desses últimos casos em questionários com informações específicas sobre o perfil dos pacientes, que substâncias ingere e que tipo de transtorno relata: perda de libido, perda da potência, falta de lubrificação vaginal, dificuldade e/ou incapacidade de obtenção do orgasmo.

Sem especialização
Não se sabe exatamente qual o percentual da população brasileira que sofre hoje de depressão. Segundo Jair Mari, que também é presidente do centro de estudos do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, estima-se que 3% a 4% da população brasileira sofra desse mal (veja a definição da doença ao lado).
Quantos desses cerca de 6 milhões de afetados tomam medicamento antidepressivo? Aqui também deve-se ficar no campo da estimativa: segundo Jair Mari, há 10 anos sabia-se que um quinto dos deprimidos recorria a tratamento com esse tipo de medicamento. "Hoje, com a multiplicação de fontes de informações, esse número deve ser bem maior", diz o professor da Unifesp.
O Ministério da Saúde também não informa qual é a quantidade de antidepressivos comercializados atualmente no país.
Apesar de ser um medicamento controlado, o dado não está disponível. Segundo informação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o levantamento sobre comercialização de medicamentos controlados está sendo elaborado pela primeira vez e não existem dados preliminares.
Mas a questão dos antidepressivos e da "armadilha sexual" não se restringe ao universo dos portadores de depressão. Segundo uma pesquisa realizada por Jair Mari e divulgada pela revista inglesa "Psychological Medicine", somente 11% dos medicamentos psicotrópicos usados no país são receitados por psiquiatras. "Quem receita mais, em primeiro lugar, são os clínicos e, em segundo, os cardiologistas. Os especialistas no assunto, os psiquiatras, vêm em terceiro lugar", diz Mari.
A explicação para essa dicotomia é que os antidepressivos não são receitados só para depressão. Conforme estudo de Fábio Gomes de Matos Souza publicado na "Revista Brasileira de Psiquiatria", edição de maio de 1999, os antidepressivos também são utilizados para combater anorexia nervosa, ansiedade, pânico, bulimia, enxaqueca, úlcera, o vício do cigarro e até urticária, entre outros males. Existem ainda casos de uso de antidepressivos, segundo Mari, para tentar controlar a tensão pré-menstrual.
Portanto, pelo menos em tese, o número de pacientes suscetíveis à "armadilha sexual" vai bem além dos portadores de depressão.

Homem, mulher
Embora a maioria dos pacientes deprimidos seja composta por mulheres, são os homens que têm maior dificuldade para aceitar a doença, afirma Jair Mari. "Porque ela está associada à idéia da fraqueza. Há uma crença enraizada na população de que os problemas causados pela depressão devem ser ultrapassados pela própria pessoa. O que é um erro. A depressão, se não for tratada, pode até levar ao suicídio."
Quanto ao efeito colateral que afeta a sexualidade, quando esse se revela no homem, a tendência é o abandono do tratamento, segundo Mauro Porcu. O paciente masculino preferiria enfrentar os efeitos da doença a ter sua masculinidade questionada.
Segundo Porcu, falta informação, inclusive para os médicos. "Muitas vezes o profissional não consegue orientar corretamente o paciente por falta de conhecimento. Ele acha que, como resolveu o problema da depressão, tudo bem. Mas ele precisa indicar o medicamento mais adequado a cada paciente, levando em conta o comportamento sexual", diz.


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