São Paulo, domingo, 22 de abril de 2001

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OUTRO LADO

Cigarro não é o motivo, afirma a Souza Cruz

DA REPORTAGEM LOCAL

O gerente jurídico da Souza Cruz, Antonio Rezende, diz que o fumo não é a causa da tromboangeíte obliterante de Lúcia Helena Paulino de Oliveira: "Cigarro é um fator relevante para a tromboangeíte, mas não é a único nem dá para apontá-lo como causa. Não há nexo causal entre cigarro e essa doença."
Rezende afirma que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) porque a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo exige o que os juristas chamam de "prova diabólica", "algo impossível de ser provado". "Se a ciência não sabe a causa dessa doença, como nós vamos saber?", pergunta.
Há outra razão para a contestação da decisão da Justiça paulista, segundo Rezende. Na visão da Souza Cruz, as doenças associadas ao fumo são decorrentes de predisposição genética e de estilos de vida, como a dieta adotada.
"Não temos informações sobre a vida privada de Lúcia. Não sabemos se era obesa, se era geneticamente predisposta a ter tromboangeíte. Não pode haver inversão do ônus da prova porque quem detém essas informações é a outra parte", argumenta.
Para a Souza Cruz, a questão mais relevante não é o eventual nexo entre fumo e a doença de Lúcia. Segundo Rezende, não faz sentido o pedido de indenização porque a companhia não comercializa um "produto defeituoso".
"O fumante sabe que o cigarro é um produto associado a risco há muito tempo. Mesmo pessoas analfabetas sabem disso. O conceito de defeito é diferente. É quando um produto não atende a expectativa do consumidor. Não é o que acontece com o cigarro. Ele não contraria o Código de Defesa do Consumidor", afirma.
Não há sentido em responsabilizar a Souza Cruz pela doença porque o consumo de cigarro, segundo Rezende, decorre do livre arbítrio.
"Se é uma ação consciente, não há por que responsabilizar terceiros", defende.

Livre arbítrio
O argumento de que a nicotina provoca dependência, o que minaria o livre arbítrio, também não faz sentido, diz Rezende. "O livre arbítrio só não existe quando você perde consciência dos atos. O cigarro não tira a capacidade de julgamento", afirma.
O próprio conceito de dependência é questionado pelo gerente jurídico da Souza Cruz. "Há milhões de pessoas que param de fumar. Eu mesmo parei. Fumava dois maços por dia e hoje fumo charutos. É uma questão de estilo de vida, de gosto pessoal", diz.
O histórico jurídico da questão da inversão do ônus da prova é negativo para a indústria.
Em 1998 e 2000, o STJ decidiu que a Souza Cruz e a Philip Morris, respectivamente, terão de provar que cigarro não causa dependência, não faz mal à saúde e que a propaganda não é enganosa nem abusiva, segundo Luiz Mônaco, diretor jurídico da Adesf (Associação em Defesa da Saúde do Fumante).
As duas decisões do STJ valem para uma ação coletiva que pode beneficiar todos os fumantes e ex-fumantes do país.
Nas ações individuais, em que fumantes isolados pedem indenização, a contabilidade é favorável à indústria. Das 157 ações movidas contra a Souza Cruz, há 17 sentenças definitivas, diz Rezende, todas favoráveis à empresa.


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