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GILBERTO DIMENSTEIN
Marta, Marluce, Maria Silvia, Regina e Ligia
Por motivos diferentes,
duas mulheres quase da mesma idade, Marta Suplicy e Regina
Célia Borges, brigaram na semana passada com três senadores,
moveram peças na sucessão presidencial e, involuntariamente, deram uma aula prática sobre as
novas estruturas de poder.
Na segunda-feira, a curiosidade
nacional se concentrou na separação de Marta e Eduardo Suplicy, que conseguiram, no Brasil,
a inusitada proeza de reunir, em
apenas um casal, dois candidatos
à Presidência do país.
Mais preocupada com a paz
emocional do que com a imagem
política, Marta assumiu o desgaste público da separação, grave para quem sonha com o cargo de
presidente, e fez Eduardo, em disputa interna no PT pela indicação para concorrer ao Palácio do
Planalto, mudar de casa.
Quando ela se elegeu prefeita de
São Paulo, a tradução óbvia era
que a influência feminina, visível
nas empresas e universidades, fazia mais um símbolo.
Ao desfazer o casamento, cutucando os preconceitos de uma nação católica, mandou dizer que a
lógica do afeto estava acima da
lógica do poder; virou, portanto,
espelho da vanguarda das mulheres que, graças à independência
no trabalho, não se submetem à
condição de refém das relações
matrimoniais.
Não deixa de ser sintomático
que, nesse caso, foi o marido que
voltou para a casa da mãe.
Por trás da separação, está uma
das principais mudanças sociais,
com profundas implicações nas
camadas de poder: a mulher, com
mais empregos e mais estudo,
manda cada vez mais. E vai modificando a agenda e os valores
nacionais.
Prova disso está, por exemplo,
em reportagem divulgada na semana passada pelo jornal "Valor
Econômico" sobre salários de executivas: Marluce Dias, das Organizações Globo, e Maria Silva
Bastos, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), conseguem
ganhar, por ano, entre benefícios
diretos e indiretos, além de bônus
e participação acionaria, R$ 4 milhões.
Isso resulta na estratosférica
quantia de R$ 333 mil mensais.
Depois de concluir seu depoimento, quinta-feira, no Congresso, Regina Célia Borges, ex-diretora do Prodasen (Centro de Informática e Processamento de
Dados do Senado), produziu uma
hipótese que, até há pouco tempo,
seria impensável: mandar para
casa, devidamente cassado, o senador Antonio Carlos Magalhães
(PFL-BA).
Ela confessou que, criminosamente, acessou a lista secreta da
votação que cassou o senador
Luiz Estevão. Mas a opinião pública está disposta a acreditar -e
com boa dose de razão- que Regina é vítima e que apenas utilizaram sua digital, mais precisamente sua senha. Devido à riqueza de detalhes que apresentou,
Regina colocou na mira ACM e
José Roberto Arruda (PSDB-DF),
líder do governo no Senado; ambos, segundo ela, seriam os mandantes do crime.
Especula-se que, com a queda
de ACM, o presidente do Senado,
Jader Barbalho (PMDB-PA), vá
junto ladeira abaixo, machucando ainda mais a base de sustentação do governo.
Por que, afinal, Marta e Regina,
com razões tão diversas e em contextos tão distintos, ensinam sobre as novas estruturas do poder?
A separação conjugal de Marta,
além de sua própria eleição, revela os novos contornos sociais e
morais da sociedade, alterados
com a crescente influência das
mulheres. As acusações de Regina
contam como vão surgindo -aos
poucos, mas consistentemente-
mecanismos de controle para detectar e até punir delinquências.
Só a lógica da impunidade explica por que ACM e Arruda seriam capazes de ordenar a uma
alta funcionária do Senado um
gesto tão tresloucado.
Mais: antes mesmo de falar com
os procuradores, ACM já tinha
dado pistas, em conversas reservadas, de que conhecia a lista de
votação.
É exatamente a mesma lógica
de Jader Barbalho, dono de um
patrimônio só explicável pela
bandalheira.
Tem-se, portanto, a seguinte situação moralmente devastadora:
ACM, o paladino da moralidade,
corre o risco de ser cassado. E Jader também se arrisca a ser demolido por não explicar como
enriqueceu. Daí se vê a imagem
do Congresso, no geral, e do Senado, em particular.
Se existe, de um lado, corrupção, existe, de outro, uma série de
mecanismos que facilitam a busca de transparência -esse movimento anda mais rápido que a
mudança da mentalidade dos poderosos.
Marta e Regina ensinam, cada
qual de seu jeito, que a sociedade
brasileira está mais moderna,
atenta e avançada -e quem não
se adaptar a essas novas regras estará sujeito a voltar para casa.
Apesar das aparências e de toda
a sujeira, o Brasil está cada vez
melhor.
PS -Mais uma conquista feminina da semana passada. Pela
primeira vez, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo foi
regida por uma maestrina. O
marco é da paulistana Ligia
Amadio, que jogou fora o diploma de engenharia de produção,
da Universidade de São Paulo, e
seguiu a paixão pela música.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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