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São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

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SAÚDE DA FAMÍLIA

Falta de médicos e de interesse político inibe serviço criado para reduzir fila hospitalar

Grandes cidades excluem programa

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Programa Saúde da Família ainda não bateu à porta da maioria dos 88,2 milhões de habitantes dos grandes centros urbanos do país. Passados quase oito anos desde seu início, nas 226 cidades com 100 mil habitantes ou mais, a cobertura total de população pelo programa é incipiente -18,7%. O atendimento nas capitais é um pouco menor -17,8%.
Nas duas maiores metrópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, os prefeitos, por causa de decisões políticas, estancaram, recentemente, a expansão do programa.
Os dados de cobertura são do Ministério da Saúde, de junho do ano passado, e foram usados no livro "Os Sinais Vermelhos do PSF", lançado no ano passado pela enfermeira Maria Fátima de Sousa, ex-coordenadora do PACs (Programa de Agentes Comunitários), o embrião do Saúde da Família. "Uma reforma não se faz por atalhos. Esse é um problema que temos de debater", diz Sousa.
O avanço nas grandes cidades é imperioso para o governo Lula, cujo programa estipula que a iniciativa atenda 100 milhões de pessoas até 2006 -hoje é 50% disso.
Modelo de atenção à saúde de inspiração canadense, o PSF utiliza equipes com médico, enfermeira, até dois auxiliares de enfermagem e até seis agentes comunitários para cuidar de grupos de 1.000 famílias, no máximo.
Quando foi implantado, no governo de Itamar Franco, a idéia era que induzisse uma mudança na organização de saúde das cidades, com a troca do modelo preponderante até hoje, centrado na rede hospitalar, para um sistema que estimulasse a prevenção e cuidados com a saúde.
Pacientes cadastrados pelas equipes deixariam de procurar a fila dos hospitais para solucionar problemas simples, como uma dor de garganta, pois teriam a assistência de uma equipe multidisciplinar perto de casa.
A antiga gestão do Ministério da Saúde já avaliava de que o programa por enquanto só tinha dado certo em pequenos e médios municípios, onde as coberturas chegam com frequência a 90% ou até 100% da população -a Secretaria de Atenção à Saúde do ministério não forneceu o dado preciso.

Obstáculos
A forma de financiamento ainda é um dos maiores obstáculos, e sua mudança é uma das principais recomendações de um estudo de caso sobre o PSF em dez municípios de grande porte coordenado por Sarah Escorel, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio de Janeiro.
Em 2001, ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso, o ministério encomendou avaliações sobre o Saúde da Família em centros urbanos a pesquisadores independentes. Queria subsídios para poder definir as regras de um projeto de expansão, que começa neste ano e será patrocinado por financiamento internacional.
"É um problema muito sério. O incentivo financeiro que o Ministério da Saúde fornece aos municípios para o PSF é relacionado à cobertura que a cidade alcança. Para ter o incentivo máximo, ele precisa chegar a 70% de população atendida", diz Escorel.
"Uma cidade pequena atinge isso muito rápido, mas não era nosso caso", diz o ex-secretário da Saúde da capital paulista Eduardo Jorge, que tentou, sem sucesso, que o ministério considerasse a cobertura do PSF em cada um dos 39 distritos de saúde do município para calcular o repasse. Como a cidade tem baixa cobertura, do custo anual de R$ 230 mil por equipe do programa, o dinheiro federal liberado cobria, até meados de 2002, apenas 20%.
O estudo de Ana Luiza D'Ávilla Viana, professora do Departamento de Medicina Preventiva da USP, verificou outros problemas -como a a falta de médicos em 60% das unidades dos municípios com população de 100 mil habitantes ou mais. O programa exige dedicação de oito horas diárias desses profissionais- algo que não se encaixa ao perfil desses indivíduos que, principalmente nas grandes cidades, costumam ter mais de um emprego.
Na avaliação feita por Viana, também por meio de entrevistas com os secretários municipais, cerca de 40% relataram a falta de rede de informática, estrutura básica para o bom trabalho das equipes -talvez reflexo da desestruturação da rede de saúde.

Sucesso
O estudo realizado pela Fiocruz mostrou que o programa dá melhor resultado onde foi utilizado como "desculpa para mudanças maiores", como diz Escorel.
O melhor desempenho foi daqueles que fizeram uma reorganização de toda a rede de saúde -incluindo a hospitalar, com a criação de centrais para marcar consultas e internações e para organizar os encaminhamentos do PSF- e de controle.
Os municípios que fizeram uma expansão muito rápida do programa, praticamente fechando postos de saúde para colocar as equipes na rua, tiveram problemas. Foi o caso de São Gonçalo (RJ). O modelo anterior, dos postos de saúde com atendimento tradicional, foi destruído e as equipes não tiveram "pernas" para dar conta de toda a população. Por isso o estudo recomenda que se comece a implantação por áreas restritas e não se criem "ilhas" sem atendimento.
Também destaca que, nas grandes cidades, é necessário estudar a possibilidade das equipes atuarem por local de trabalho da população atendida ou estender o horário de atividade para poder atender aos que estão nos seus empregos durante todo o dia.
O índice de aprovação do trabalho dos agente comunitários foi de 90% . A maior parte das famílias relatava que, antes do programa, não tinha acesso à saúde.
As principais queixas eram sobre a falta de dentistas. "Não houve implantação de saúde bucal na mesma velocidade do programa", afirma Escorel.
Em cidades como Aracaju (SE) e Camaragibe (PE), as taxas dos que diziam que suas condições de saúde tinham melhorado giravam em torno de 80% .


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