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SAÚDE DA FAMÍLIA
Falta de médicos e de interesse político inibe serviço criado para reduzir fila hospitalar
Grandes cidades excluem programa
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Programa Saúde da Família
ainda não bateu à porta da maioria dos 88,2 milhões de habitantes
dos grandes centros urbanos do
país. Passados quase oito anos
desde seu início, nas 226 cidades
com 100 mil habitantes ou mais, a
cobertura total de população pelo
programa é incipiente -18,7%. O
atendimento nas capitais é um
pouco menor -17,8%.
Nas duas maiores metrópoles,
São Paulo e Rio de Janeiro, os prefeitos, por causa de decisões políticas, estancaram, recentemente,
a expansão do programa.
Os dados de cobertura são do
Ministério da Saúde, de junho do
ano passado, e foram usados no
livro "Os Sinais Vermelhos do
PSF", lançado no ano passado pela enfermeira Maria Fátima de
Sousa, ex-coordenadora do PACs
(Programa de Agentes Comunitários), o embrião do Saúde da Família. "Uma reforma não se faz
por atalhos. Esse é um problema
que temos de debater", diz Sousa.
O avanço nas grandes cidades é
imperioso para o governo Lula,
cujo programa estipula que a iniciativa atenda 100 milhões de pessoas até 2006 -hoje é 50% disso.
Modelo de atenção à saúde de
inspiração canadense, o PSF utiliza equipes com médico, enfermeira, até dois auxiliares de enfermagem e até seis agentes comunitários para cuidar de grupos de
1.000 famílias, no máximo.
Quando foi implantado, no governo de Itamar Franco, a idéia
era que induzisse uma mudança
na organização de saúde das cidades, com a troca do modelo preponderante até hoje, centrado na
rede hospitalar, para um sistema
que estimulasse a prevenção e
cuidados com a saúde.
Pacientes cadastrados pelas
equipes deixariam de procurar a
fila dos hospitais para solucionar
problemas simples, como uma
dor de garganta, pois teriam a assistência de uma equipe multidisciplinar perto de casa.
A antiga gestão do Ministério da
Saúde já avaliava de que o programa por enquanto só tinha dado
certo em pequenos e médios municípios, onde as coberturas chegam com frequência a 90% ou até
100% da população -a Secretaria
de Atenção à Saúde do ministério
não forneceu o dado preciso.
Obstáculos
A forma de financiamento ainda é um dos maiores obstáculos, e
sua mudança é uma das principais recomendações de um estudo de caso sobre o PSF em dez
municípios de grande porte coordenado por Sarah Escorel, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz), no
Rio de Janeiro.
Em 2001, ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso, o ministério encomendou avaliações
sobre o Saúde da Família em centros urbanos a pesquisadores independentes. Queria subsídios
para poder definir as regras de um
projeto de expansão, que começa
neste ano e será patrocinado por
financiamento internacional.
"É um problema muito sério. O
incentivo financeiro que o Ministério da Saúde fornece aos municípios para o PSF é relacionado à
cobertura que a cidade alcança.
Para ter o incentivo máximo, ele
precisa chegar a 70% de população atendida", diz Escorel.
"Uma cidade pequena atinge isso muito rápido, mas não era nosso caso", diz o ex-secretário da
Saúde da capital paulista Eduardo
Jorge, que tentou, sem sucesso,
que o ministério considerasse a
cobertura do PSF em cada um dos
39 distritos de saúde do município para calcular o repasse. Como
a cidade tem baixa cobertura, do
custo anual de R$ 230 mil por
equipe do programa, o dinheiro
federal liberado cobria, até meados de 2002, apenas 20%.
O estudo de Ana Luiza D'Ávilla
Viana, professora do Departamento de Medicina Preventiva da
USP, verificou outros problemas
-como a a falta de médicos em
60% das unidades dos municípios
com população de 100 mil habitantes ou mais. O programa exige
dedicação de oito horas diárias
desses profissionais- algo que
não se encaixa ao perfil desses indivíduos que, principalmente nas
grandes cidades, costumam ter
mais de um emprego.
Na avaliação feita por Viana,
também por meio de entrevistas
com os secretários municipais,
cerca de 40% relataram a falta de
rede de informática, estrutura básica para o bom trabalho das
equipes -talvez reflexo da desestruturação da rede de saúde.
Sucesso
O estudo realizado pela Fiocruz
mostrou que o programa dá melhor resultado onde foi utilizado
como "desculpa para mudanças
maiores", como diz Escorel.
O melhor desempenho foi daqueles que fizeram uma reorganização de toda a rede de saúde
-incluindo a hospitalar, com a
criação de centrais para marcar
consultas e internações e para organizar os encaminhamentos do
PSF- e de controle.
Os municípios que fizeram uma
expansão muito rápida do programa, praticamente fechando
postos de saúde para colocar as
equipes na rua, tiveram problemas. Foi o caso de São Gonçalo
(RJ). O modelo anterior, dos postos de saúde com atendimento
tradicional, foi destruído e as
equipes não tiveram "pernas" para dar conta de toda a população.
Por isso o estudo recomenda que
se comece a implantação por
áreas restritas e não se criem
"ilhas" sem atendimento.
Também destaca que, nas grandes cidades, é necessário estudar a
possibilidade das equipes atuarem por local de trabalho da população atendida ou estender o
horário de atividade para poder
atender aos que estão nos seus
empregos durante todo o dia.
O índice de aprovação do trabalho dos agente comunitários foi
de 90% . A maior parte das famílias relatava que, antes do programa, não tinha acesso à saúde.
As principais queixas eram sobre a falta de dentistas. "Não houve implantação de saúde bucal na
mesma velocidade do programa",
afirma Escorel.
Em cidades como Aracaju (SE)
e Camaragibe (PE), as taxas dos
que diziam que suas condições de
saúde tinham melhorado giravam em torno de 80% .
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