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NUTRIÇÃO
Médico britânico afirma que a desnutrição e o excesso de peso estão interligados e defende a comida saudável
Fome Zero requer "alfabetização" alimentar
DA REPORTAGEM LOCAL
Presidente de uma força-tarefa
internacional contra a obesidade,
o britânico Philip James, 64,
acrescenta mais um ingrediente à
polêmica sobre o projeto prioritário do governo Lula, o Fome Zero.
Para o ele, o governo deveria obrigar as famílias atendidas a gastar
os cupons de R$ 50 do programa
somente em "comida saudável",
como cereais, frutas e verduras.
James, uma das maiores autoridades em obesidade no mundo,
participou neste mês, em Brasília,
do fórum "Peso Saudável no Brasil", que reuniu médicos, governo
e Ministério Público para discutir
uma estratégia nacional.
Estudo apresentado no fórum
mostra que o país gasta anualmente R$ 1,5 bilhão com o excesso de peso e doenças relacionadas
-valor maior do que o gasto da
Secretaria Municipal da Saúde de
São Paulo em 2002. Aproximadamente 40% da população brasileira está acima do peso, segundo o
último inquérito populacional sobre o assunto, realizado em 1997.
O número quase triplicou nos últimos 20 anos.
"O Fome Zero é importantíssimo. Mas existe outra face da moeda que tem de ser prioritária também", afirma Walmir Coutinho,
44, vice-presidente da Federação
Latino-Americana de Sociedades
de Obesidade. Estudo com mais
de 2.000 adultos em uma favela
paulistana mostrou 8,5% de desnutrição, 14,6% de excesso de peso e 21,9% de obesidade. Entre as
crianças brasileiras, a prevalência
de obesidade cresceu 240% nos
últimos 20 anos, contra 66% nos
Estados Unidos.
"As pessoas dirão que o principal problema do país é a fome.
Mas fome e obesidade estão fundamentalmente ligadas", disse James. Durante entrevista à Folha,
o professor explicou essa relação.
(FABIANE LEITE)
Folha - O Brasil discute atualmente o problema da fome. Como o debate sobre a necessidade de combater a obesidade pode ser introduzido neste momento?
Philip James - Quando as pessoas estão com fome e têm pouco
dinheiro, compram o mais barato, que no Brasil são comidas ricas
em gordura e açúcar. Estão desesperadas, buscam satisfazer a forme da maneira mais fácil. E gordura e açúcar são os principais ingredientes que levam à obesidade.
O nosso cérebro não está desenvolvido o suficiente para distinguir o que estamos comendo.
Basta que a sensação de fome acabe. O cérebro não avisa: "Não tive
frutas o bastante hoje".
Folha - O que é fundamental em
uma política de governo contra a
obesidade?
James - É preciso um plano radical. O presidente de vocês introduziu esse debate sobre pobreza e
fome. Mas é necessário pensar em
uma maneira para promover
uma mudança mais ampla. Os cupons custarão muito dinheiro ao
governo. É possível fazer com que
sejam utilizados somente para
compra de comida de qualidade.
É preciso começar um novo caminho, fazer um programa ainda
melhor. Da forma como está, as
pessoas podem usar o dinheiro
apenas para comprar óleo e um
pacote de açúcar. Mas o presidente Lula quer que essas pessoas sejam de fato mais saudáveis.
Neste mês, a OMS [Organização
Mundial da Saúde] e a FAO [Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação]
publicam relatório em que destacam que a comida de má qualidade é um dos fatores que causam
mais mortes no mundo.
Estamos em um caminho perigoso, que os norte-americanos já
trilharam. O público tem sido manipulado pela propaganda. Temos de tratar essa questão cuidadosamente, e não seguir o caminho dos norte-americanos. O
exemplo vem dos finlandeses, que
criaram um programa de alimentação completo.
Estudos mostram que, antes
dos 14 anos, as crianças não têm
ainda capacidade para escolher a
melhor comida. É necessário
proibir a venda de qualquer alimento de má qualidade em locais
em que estudam crianças.
Na Finlândia, introduziram
uma política de oferecer frutas e
vegetais de graça -na verdade,
com o preço embutido no custo
total das refeições. O consumo de
frutas e vegetais aumentou três
vezes e, na população, houve diminuição da pressão arterial, do
colesterol ruim, dos infartos do
miocárdio e dos derrames.
Precisamos investir em educação para a alimentação saudável e
também tomar algumas medidas,
como proibir máquinas de refrigerante em escolas e empresas.
Estudos mostram que o cérebro
não é capaz de "medir" as calorias
dos refrigerantes. Ou seja, você
bebe muito sem sentir.
Folha - São medidas que demorarão a ser implementadas aqui. Não
se conseguiu regulamentar adequadamente nem mesmo o álcool.
James - Vocês têm alguns dos
melhores especialistas em saúde
pública. São bons no programa de
Aids e de drogas, no combate ao
tabagismo. Agora precisam também ter um bom programa de alimentação e também de atividade
física. Existe um programa maravilhoso desenvolvido aqui [o Agita São Paulo, que incentiva a realização de 30 minutos diários de
exercícios físicos e é considerado
modelo pela OMS]. Gostaria de
ver mudanças em Brasília, por
exemplo. Gostaria de ver uma
dessas grandes avenidas transformada em calçada e ciclovia. Estive
em São Paulo. As ruas da cidade
são boas para os carros, mas não
para as pessoas.
Folha - As indústrias ainda vêem
com reservas a possibilidade de fazer propaganda de produtos que
fazem mal à saúde com responsabilidade social, ou seja, explicando
os riscos.
James - A indústria de alimentos
faz tudo para vender a comida perigosa. As crianças são bombardeadas e manipuladas. É uma nova batalha. Eu gostaria que a indústria de alimentos investisse
mais seus lucros em comida saudável. Mas elas ainda gastam cem
vezes mais em comida perigosa.
Folha - No país, é comum tratar a
obesidade com remédios alternativos, ervas, "poções mágicas". É a
mesma coisa no resto do mundo?
James - Na América Latina, esse
problema é maior. Há médicos
que fazem isso com pessoas pobres, que pensam que há uma mágica. Isso precisa ser regulamentado.
Por isso é necessária uma nova
política para a obesidade. O Brasil
deve dar o exemplo. O país é modelo para outros países e precisa
mostrar o que deve ser feito.
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