São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004

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RIO

Em 2002, Ministério da Defesa afirmou ter artefatos do mesmo lote dos apreendidos com traficantes; ontem, militares negaram tê-los

Minas são iguais às compradas pelo Exército

FABIANA CIMIERI
DA SUCURSAL DO RIO

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

Em relatório de abril de 2002, o Ministério da Defesa informou à OEA (Organização dos Estados Americanos) que o Exército brasileiro possuía minas terrestres antipessoais do mesmo lote, tipo e fabricante das oito apreendidas anteontem pela polícia do Rio, na favela da Coréia (zona oeste).
De acordo com o relatório, que pode ser acessado pela internet (http://www.oas.org/csh/english/documents/cp10031e07.doc), em 31 de dezembro de 2001, o Departamento de Logística do Exército armazenava 7.416 unidades de minas terrestres PRB M409, pertencentes ao lote I-35, exatamente o mesmo das encontradas em poder do tráfico.
Ontem, o Exército negou à Folha que as armas façam parte de seu arsenal. Segundo o chefe de Comunicação Social do Comando Militar do Leste, coronel José Barreto Júnior, um especialista do Exército conferiu o número do lote com os registros informatizados da corporação.
"Tenho obrigação de dizer a verdade. Nada, nada, nada pode indicar que seja algum lote vendido para o Exército", disse Barreto Júnior.
O Ministério da Defesa limitou-se a dizer, por meio da assessoria de imprensa, que "não há registro, neste governo, de desvio de minas" e que, a partir de hoje, o ministério fará uma verificação mais aprofundada para saber se houve roubo ou furto desse armamento nos governos anteriores.
O diretor da divisão de armas da organização Human Rights Watch, Steve Goose, afirmou acreditar que a mina tenha pertencido às Forças Armadas brasileiras. "Ela parece ter vindo de um lote que o governo brasileiro reconhece ter", disse o especialista, se referindo ao relatório enviado pelo país à OEA.
"Seria uma grande coincidência", afirmou Goose, "que uma mina adquirida em outro país viesse justamente do mesmo lote vendido ao Brasil pela Bélgica. Além disso, acrescentou, "quase não há mais comércio internacional de minas, e a seqüência de lotes mencionados pelo país à OEA [I-34, I-35, I-36] indica que devem ter sido vendidos inteiramente pelo fabricante belga ao governo brasileiro".
Para um diplomata da OEA, especialista em minas, que preferiu não ser identificado, só seria possível ter certeza de que essas minas pertenciam ao Exército brasileiro se, de fato, o país tivesse comprado todo o lote.
Já o próprio coronel José Barreto Júnior afirmou que, legalmente, um fabricante não pode vender o mesmo lote para compradores diferentes. "É o que permite caracterizar o responsável." Ele disse ainda que as minas que o Brasil possui, "em número mínimo", são para treinamento das tropas.

Convenção
O documento enviado pelo governo brasileiro à OEA é parte de informação oferecida voluntariamente pelos países signatários da Convenção de Ottawa (Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre Sua Destruição).
Os países participantes do acordo se comprometem a destruir as minas que possuam, não fabricá-las nem comercializá-las. Mas podem manter um estoque de minas para pesquisa e preparação de especialistas por dez anos a partir da ratificação do tratado.
Segundo Goose, entre todos os signatários, o Brasil é o país que mantém o maior número de minas para suposta pesquisa -30.748, segundo o último relatório enviado à OEA. "O Brasil ainda não deu uma explicação satisfatória sobre por que precisa de mais minas para treinamento do que qualquer outro país do mundo que assinou o acordo."


(Colaborou TALITA FIGUEIREDO, da Sucursal do Rio)


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