São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

Santo Expedito

Santo Expedito é o santo das causas urgentes. Não é à toa que seu nome é Expedito, particípio do verbo latino "expedire", que, literalmente, significa "desembaraçar os pés". Em "expedir", encontra-se o elemento latino "ex-" (que, no caso, indica idéia de "movimento para fora") e a raiz de "pé" ("pede", "pedis").
Como adjetivo, "expedito" significa "desembaraçado", "rápido", "ativo", "ligeiro", "diligente", "lépido", "ágil" etc. No "Aurélio", encontra-se este exemplo, do escritor português Ramalho Ortigão: "Lá a vi, (...) expedita, leve, asseada como um passarinho".
Talvez mais do que nos outros dias do ano, em 19 de abril (a mando de Diocleciano, Expedito foi decapitado em 19 de abril de 303) é comum a exposição de faixas em que se agradece a esse santo alguma graça recebida. Nessas faixas, é comum a presença (indevida) do acento indicador de crase no "a" que antecede a palavra "santo" ("Agradeço à santo Expedito a graça alcançada").
Neste ano, já dediquei alguns textos ao emprego do acento grave, que é, de longe, um dos grandes fracassos do ensino/aprendizado das variedades escritas da língua. Mistério dos mistérios (ou incompetência das incompetências), não conseguimos (os professores) mostrar aos alunos (e/ou estes não aprendem) que a palavra "crase" significa "fusão", "mistura", que "à" = "a" + "a" e que, portanto, não pode ocorrer "à" antes de "santo", simplesmente porque não ocorre artigo feminino antes de palavra masculina. O "a" que antecede "santo" é mera preposição, regida pelo verbo "agradecer".
Alguém dirá que a presença (indevida) do acento indicador de crase não altera o preço do feijão, que o que importa é comunicar, blablablá, blablablá, blablablá, mas é sempre bom lembrar que isso não passa de demagogia barata, de populismo mofado. O conhecimento do correto emprego desse acento é apenas um dos tantos instrumentos necessários para o domínio da língua escrita.
A esta altura, alguém talvez queira saber se haveria acento no "a" se se trocasse "santo Expedito" por "santa Bárbara" ("Agradeço a/à santa Bárbara a graça..."). De novo, a resposta é "não". "Mas "santa" não é palavra feminina?", perguntarão alguns. Sim, mas isso é condição necessária, porém não suficiente. Não ocorre acento indicador de crase porque, em situação formal, não se usa artigo antes de "santa Bárbara", ou seja, não se diz "Sou fiel devoto da santa Bárbara", "Confio muito na santa Bárbara" etc.
Moral da história: se se diz "Sou fiel devoto de (e não "da", que resulta de "de" + "a') santa Bárbara", escreva-se "Agradeço a (e não "à') santa Bárbara a graça...".
Por fim, cabe lembrar que "são" é forma apocopada de "santo" e se emprega antes de nomes que começam por consoante (são Pedro, são Jorge, são Cristóvão, são Francisco etc.). Rigorosamente, a única exceção é "santo Tirso". Com "Tomás", há oscilação ("santo Tomás" e "são Tomás").
Já que falamos em "forma apocopada", convém lembrar que (na definição do "Aurélio") "apócope" é "supressão de fonema ou de sílaba no fim de palavra". Exemplos bem conhecidos são o de "mui" e "bel" (que se usa em "bel-prazer"), que resultam, respectivamente, da apócope de "muito" e "belo". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

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