São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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URBANIDADE

Trilha de Esmeralda

Vincenzo Scarpellini
CARANDIRU A Casa de Detenção está sendo desativada. Parece nem mais nem menos que uma boca aberta, ainda parcialmente inchada de alimentos não digeridos. Os pavilhões são dentes, a morder o céu ou o inferno, conforme a necessidade. Na área esvaziada, como uma língua que se move lenta, rugosa entre presas e alvéolos, o sofrimento continua apoiado em todas as paredes (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Um dos sinais da decadência do centro histórico de São Paulo é o afastamento das crianças -exceto das crianças de rua, símbolos ambulantes da degradação. No próximo sábado, estudantes se reúnem em frente ao Pátio do Colégio, onde a cidade nasceu, para uma brincadeira de rua -desta vez uma brincadeira educativa para tentar atrair crianças de volta ao centro.
Eles vão criar peças de azulejo para compor, nas calçadas, uma trilha permanente que unirá os pontos históricos mais significativos do centro; as oficinas ocorrerão nas ruas por vários meses para que saia dali uma obra coletiva. Será elaborado, com base na trilha, um guia para as escolas, com dados sobre a memória paulistana, numa mistura de mapa do tesouro com texto didático. "A distância espacial também produz a distância da história. As crianças estão enclausuradas nos shopping centers, sem identificação cultural. O adolescente riscou do mapa o centro", analisa Maurício Faria, presidente da Empresa Municipal de Urbanismo (Emurb).
A trilha é uma parceria do Procentro, presidido pela professora de urbanismo Nadia Somekh, autora de livros sobre a história de São Paulo, e o PraTiCidade, programa de recuperação urbana da Fundação BankBoston. "Queremos deixar a história mais próxima das crianças e, assim, ajudá-las a compreender e a preservar sua cidade. Ninguém cuida daquilo que não é próximo", afirma Nadia.
Antes da oficina de sábado, será apresentada a maquete da trilha, já com o primeiro azulejo. A primeira peça está sendo produzida por Esmeralda Ortiz, jovem que passou boa parte de sua vida perambulando por aquela região, onde conheceu o vício em crack e se tornou traficante da droga. Aos oito anos de idade, foi morar na praça da Sé. Em seus primeiros passos para tentar sair das ruas, aprendeu um pouco da história do Pátio do Colégio. Era um caminho para a menina que esperava ganhar algum dinheiro como guia turística. "Não deu. Não podia ficar ali, a droga ia ser mais forte", conta Esmeralda, que, de símbolo da degradação, virou símbolo de esforço de recuperação: afinal, neste ano, passou no vestibular e começou a estudar jornalismo.
"Nosso sonho é que o centro histórico siga a trilha de Esmeralda", diz Maurício Faria. É uma área que, por enquanto, está com cara mais de menino de rua do que de estudante que entra na faculdade.

E-mail -gdimen@uol.com.br



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