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DANUZA LEÃO
Um amor tão bom
Casados eles não pareciam
ser -não um com o
outro-, e aquele jantar cedo,
num restaurante modesto, comum, era muito bom de se ver.
Estavam sentados um em frente
ao outro, e parecia claro que não
iriam para a mesma casa depois
do jantar, não dormiriam nem
acordariam juntos. Por isso, talvez, tinham tanto a se dizer -e se
diziam.
Ela às vezes passava a mão na
testa dele, afastando uma mecha
de cabelo; daí a pouco ele devolvia o carinho e segurava a mão
dela num gesto rápido, isso por cima dos pratos, sem que nada fosse fora de propósito nem inadequado, como nunca são os gestos
que saem do coração.
Não havia entre eles aquele clima de urgência que precede a ida
a um motel, muito pelo contrário;
parecia, isso sim, que eles haviam
passado a tarde se amando e depois foram a um restaurante, daqueles em que não há risco de encontrar nenhum amigo, para ficarem juntos um pouco mais, o
tempo que ainda tinham, sem inquietação, pelo prazer da companhia um do outro. E os carinhos
trocados não eram os da paixão,
mas os do amor; de um amor sólido e profundo.
Quem mora junto não conversa
tanto, olho no olho, porque sabe
que tem tempo pela frente: a noite
inteira, talvez o resto da vida. Já
eles falavam, e os assuntos não
eram esses de namorados; falavam de tudo, interessados um no
que o outro dizia, trocavam
idéias como se fossem dois grandes amigos, o que é raro entre homem e mulher. Ele talvez falasse
de um negócio que estava fazendo, ela talvez de um filho (só dela)
com problemas; aí, de repente,
um carinho -sem olhares melosos, nada. Apenas a necessidade
de tocar no outro, só isso. Estavam ali, inteiros, muito próximos
e muito seguros.
Ela usava um suéter com um
pequeno decote; num determinado momento, ele passou o braço
por cima da mesa, botou a mão
no ombro dela, escorregou por
dentro do suéter pelas costas e ficou uns momentos passando a
mão, aquela mão forte de dono,
como recordando a tarde que
passaram juntos.
Ela não era nem jovem nem linda, nem ele. Eram pessoas absolutamente normais, banais mesmo,
daquelas que não chamam a
atenção, para quem não se olha
duas vezes -talvez nem uma.
Mas naquela mesa pequena daquele restaurante banal havia tudo o que uma mulher e um homem podem querer um do outro:
confiança, amizade, amor, paixão -mesmo que discreta-, sexo bem resolvido e segurança.
Eles iriam se separar daí a pouco,
sentiriam falta um do outro, mas
sem angústia ou desespero, sabendo que se encontrariam de
novo no dia seguinte ou na semana seguinte, confiando no seu
próprio desejo e no do outro, porque aquele amor tinha essa coisa
tão rara nos amores em geral: era
sólido.
Ele pediu a conta, os dois saíram abraçados normalmente; na
esquina, ele chamou um táxi para
ela, se beijaram rapidamente, ele
ficou olhando até o táxi desaparecer, pegou o dele e a noite -eram
9h- acabou por aí.
Acabou é modo de dizer, porque
essas noites tão boas não se acabam assim. Ela foi dormir pensando nele, ele pensando nela, e
eu pensando neles. Pensando e
imaginando quantas pessoas,
neste mundo de tantas paixões,
vaidades, ansiedades, desvarios,
terão tido a sorte de viver um
amor assim tão bom.
Não, o amor não é lindo, como
se diz banalmente: o amor é muito bonito quando é de verdade, e
o deles era.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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