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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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SAÚDE

Depressão pós-parto exige ação rápida

Oscilações hormonais e condições psíquicas e sociais da mulher podem contribuir para o aparecimento do distúrbio

BERTA MARCHIORI
DA REDAÇÃO

A publicitária Celina acordou em uma madrugada com uma imensa vontade de matar seu filho. O bebê, que dormia ao seu lado, era seu terceiro filho e mal tinha completado um mês de vida.
O impulso, incompreensível e muitas vezes inaceitável para a maioria das pessoas, faz parte de um transtorno que atinge de 0,1% a 0,2% das mulheres no pós-parto: a psicose puerperal.
Celina (nome fictício), na época com 41 anos, não matou seu bebê porque por um instante percebeu que seu impulso não era normal e pediu ajuda a seu marido. Na mesma hora, ligaram para a sua terapeuta. "Se eu não tivesse tido a consciência e a assistência que eu tive, talvez tivesse acordado com um filho morto", diz.
A mesma sorte não teve a norte-americana Andrea Yates, de Houston, Texas, que em junho de 2001 matou seus cinco filhos, afogando-os em uma banheira.
A psicose puerperal é a categoria mais grave da chamada depressão pós-parto (DPP), que abrange ainda o blues puerperal -tristeza materna- e a depressão maior (veja quadro). O transtorno não tem uma só causa definida. A hipótese mais provável é que as alterações hormonais, associadas a fatores biológicos e genéticos e às condições psíquicas e sociais da mulher, contribuam para o aparecimento do distúrbio.
"Os períodos de oscilação hormonal são fases em que as mulheres ficam mais suscetíveis a terem quadros psíquicos", afirma Joel Rennó Júnior, 35, psiquiatra e coordenador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
De acordo com os médicos consultados pela Folha, mães de primeira viagem e mães adolescentes, por exemplo, são mais vulneráveis ao surgimento do transtorno. Foi o caso da webdesigner Giuliana Xavier, 22, que engravidou aos 17 anos.
Sem o namorado, que a deixou no quarto mês de gravidez, ela se sentia muito sozinha e pensava que sua vida tinha acabado. "Achava que não teria outro namorado, que não arrumaria trabalho. Não sentia raiva, mas, para mim, o bebê era um "estorvo'", declara, novamente bem após ter feito seis meses de psicoterapia.
Já Celina, que na época do incidente, há três anos, ficou internada por dez dias e chegou a ser amarrada na cama do hospital, toma os remédios até hoje. É preciso paciência. "Não há mudanças psicológicas rápidas", diz Eduardo Navajas Filho, 59, psiquiatra e psicoterapeuta da Unifesp (Universidade Federal de SP).
Ele alerta para a importância da participação dos obstetras na identificação de sinais e no processo terapêutico (veja texto ao lado). O obstetra deve não só estar atento à paciente como também orientá-la e a sua família. "Não há necessidade de ficar depressiva", diz Carmen Fusco, 54, psiquiatra e psiconeuroendocrinologista.
"As pessoas não entendem como alguém que tem tudo esteja em depressão. Isso só acrescenta mais dor", diz Abner Lobão, 36, obstetra e coordenador do Pré-Natal Personalizado da Unifesp.
Foi com o apoio da mãe que a professora Carla Maria Fiori Gama, 32, enfrentou a depressão.
Ela, que tentou engravidar durante seis meses, perdeu o interesse pelo bebê depois que ele nasceu. "Eu não via graça nele."
A professora de Bauru (SP) ficou um mês na casa da mãe, em Araras (SP), onde se tratou. Para ela, porém, o drama foi superado. "Quero ter outro filho", afirma.


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