|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
"Corpo não deve ser ignorado"
Congresso, encerrado ontem, debateu a rigidez dos padrões atuais
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
É proibido estar fora dos padrões "corpóreos". Quem se arriscar, ou não conseguir se enquadrar, será insatisfeito e culpado.
Na cultura dos dias atuais, não se
pode mais ignorar o corpo. Mas
enquanto se cultua o corpo modelado por exercícios ou bisturis,
o corpo doente, deprimido ou envelhecido acaba ignorado.
Questões como essas foram debatidas por cerca de 800 profissionais que participaram do 2º Congresso Interamericano de Psicologia da Saúde, encerrado ontem
no Centro de Convenções Rebouças, de São Paulo. O tema deste
ano, tratado ao longo de três dias,
foi "corpo e (in)satisfação".
"A subjetividade não existe desligada do corpo", diz a psicoterapeuta Julieta Quayle, diretora da
área de pesquisa da divisão de psicologia do Instituto Central do
Hospital das Clínicas e presidente
do congresso. Em outras palavras,
mesmo quando se trata da saúde
mental, o corpo sempre deve ser o
ponto de partida.
A equipe da divisão de psicologia hospitalar do HC, dirigida por
Mara Cristina Souza de Lucia, trabalha com pacientes que se preparam para ver seus corpos cortados ou amputados.
Entre os participantes, muitos
eram terapeutas que trabalham
em hospitais, embora houvesse
cirurgiões, assistentes sociais e até
economistas, pois a psicologia da
saúde se estende para os diversos
campos onde o bem-estar mental
interage com o fisiológico. Cabe
ao profissional de saúde -especialmente ao terapeuta- refletir
tanto sobre o corpo adoecido
quanto sobre o da academia.
No cotidiano da cidade, há o
corpo anoréxico, o corpo do obeso mórbido, o violado, o corpo
das cirurgias plásticas. "Há o corpo que atende aos mandos e desmandos da cultura", diz Quayle.
Abaixo, trechos da entrevista
que concedeu à Folha:
Folha - O corpo hoje é muito mais
exposto, na praia, nas mídias, nas
academias. Aqueles que não se
sentem bem com seu corpo acabam
sofrendo mais?
Julieta Quayle - Historicamente,
o corpo tendia a ser escondido. Só
era valorizado quando adoecia,
ou em situações especiais. Hoje o
corpo é exposto, mostrado, deixou de ser tabu. É supermodelado, supervalorizado, ganhou uma
valorização muito especial na mídia. Nesse cenário, os que não são
jovens, não são bonitos, podem se
sentir marginalizados, poderão
sofrer mais.
Para alguns, esse fato pode levar
a um intenso sofrimento. Hoje,
uma adolescente que se sente gorda vive um período muito sofrido, porque a obesidade não é o
modelo.
Folha - As pessoas acabam cobrando delas próprias uma proximidade com o padrão ideal?
Quayle - Hoje, é como se fosse
pecado ser feio, ou não estar no
peso, ou estar deprimido, ou envelhecido. Há uma cultura que diz
que você precisa ser feliz, estar ativo, fazer sucesso. Sempre houve
feios e bonitos, e é possível que a
beleza lhes desse mais poder ou
melhor auto-estima. Quem não
está dentro do padrão tende a ser
insatisfeito, a se sentir culpado,
porque deveria ter feito mais para
estar melhor e não fez.
Folha - É como se tudo dependesse da vontade da pessoa e tudo se
resolvesse com essa vontade.
Quayle - Vivemos numa sociedade onde se acredita que basta
querer para poder. Querer é importante, mas nem sempre é possível conseguir o que se quer. Mas
esse não conseguir acaba sendo
visto como imperdoável.
Texto Anterior: Atualização: Livro completa 46 anos na 21ª edição Próximo Texto: Gilberto Dimenstein: Os gays ensinam a gostar de São Paulo Índice
|