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GILBERTO DIMENSTEIN
Os gays ensinam a gostar de São Paulo
Na mais completa radiografia publicada nos últimos
tempos sobre a crise da classe média, cujo poder aquisitivo já sofreu queda de 30%, a Folha informou que, na cidade de São Paulo,
uma quantidade expressiva de
famílias das classes A e B já não
consegue pagar mensalidades escolares -derrotadas e entristecidas, vêem-se obrigadas a apelar
para o ensino público.
Quando a classe média, tão ciosa dos símbolos de status, recorre
à escola pública, é sinal de que a
situação chegou ao limite; o próximo passo seria vender o carro e
andar de ônibus, a suprema das
humilhações. O quadro desolador
é visível nos restaurantes, a paixão dos paulistanos, com menos
clientes.
Os empresários dizem que nunca estiveram tão endividados e
desanimados. Os índices de desemprego na cidade, assim como
na região metropolitana, batem
recordes, deixando os trabalhadores desesperados.
A síntese da crise está no medo
de andar na rua, a unir ricos e pobres, todos se sentindo igualmente indefesos, enquanto os governos cobram cada vez mais impostos -a começar da Prefeitura de
São Paulo, onde em breve alguém
vai sugerir que se cobre taxa para
quem andar na calçada.
Neste domingo, os gays vão
mostrar o paradoxo paulistano: a
cidade mais opulenta do país
nunca esteve tão acuada, mas
nunca foi tão interessante.
Especula-se que até 1 milhão de
pessoas vão hoje à avenida Paulista para comemorar o Dia do
Orgulho Gay. Se a expectativa se
confirmar, o Brasil baterá um recorde mundial: o número de participantes terá superado o da parada de San Francisco, nos Estados Unidos.
Amparado e até estimulado pelo poder público, o Dia do Orgulho Gay, na avenida Paulista, é a
mais importante manifestação de
rua do Brasil. Supera, de longe, o
Dia do Trabalho. E sem distribuir
brindes, como fazem os sindicatos, para chamar o público.
Tanta gente unida para lutar
contra o preconceito apenas reafirma que a reverência à diversidade está na alma do paulistano.
São Paulo está economicamente pior, porém socialmente mais
interessante porque, apesar da
crise, sua diversidade está mais rica -e, ao mesmo tempo, está
mais atenta e articulada.
Viraram conversa de botequim,
com divisão de torcidas, temas
urbanos e paroquiais: a decisão
de regularizar o comércio em determinadas ruas chiques, o projeto de fazer um corredor de ônibus
na avenida Rebouças, a construção numa praça (largo do Arouche) de um telecentro que supostamente ameaçaria as tão estimadas bancas de flores. Populares e arquitetos defendem a implosão do Minhocão, o viaduto
que rasgou e destruiu parte do
centro da cidade.
Até nomes admiráveis da arquitetura brasileira, como Paulo
Mendes da Rocha e Ruy Ohtake,
dão ensejo a polêmicas -sobretudo quando o assunto são suas
obras mais recentes. O Ministério
Público acaba de vetar a construção, no parque Ibirapuera, de um
auditório projetado por ninguém
menos do que Oscar Niemeyer.
"São uns idiotas", reagiu, irritado, o arquiteto, acusado de ameaçar a natureza.
O debate é compreensível numa
cidade que gera núcleos de excelência em estética e que se tem
tornado presença mundial em
áreas como moda, gastronomia,
design, artes plásticas, publicidade e até arquitetura. Prova disso é
a São Paulo Fashion Week, prevista para este mês.
Uma cidade cronicamente feia
e suja, aos poucos, introduz a estética na sua agenda. Multiplicam-se associações de bairro e
mesmo de rua.
O paradoxo paulistano está no
fato de que o capital humano,
principal nutriente da diversidade, não pára de melhorar; centenas de milhares de migrantes nordestinos continuam chegando
aqui, agora para fazer cursos de
pós-graduação ou para frequentar programas de aperfeiçoamento profissional. Aumenta o número de alunos no ensino superior e
criam-se novos cursos, que vão da
culinária até a produção de jogos
eletrônicos.
Os gays ensinam a gostar de São
Paulo por uma razão simples:
quem não aprecia a diversidade
e prefere a pasmaceira social só
vê aqui trânsito, poluição e
violência.
Como São Paulo é hoje a melhor síntese do Brasil, título que já
foi do Rio, o paradoxo paulistano
é também o paradoxo brasileiro
- pior, porém mais interessante.
Quem imaginaria ver a esquerda
fazendo o que a direita sempre
defendeu? Ou a direita defendendo tanto a distribuição de renda
como a educação pública? Ou radicais de esquerda defendendo
privilégios da elite?
PS - Além de ser paulistano,
nasci exatamente ao lado do parque Ibirapuera, que era a extensão da minha casa no tempo em
que as ruas pertenciam às crianças. Daí ser difícil não ficar mesmo irritado com a decisão dos
promotores de barrar o auditório
de Niemeyer, devidamente aprovado pelas entidades do patrimônio histórico. A obra completaria
o plano original do parque, feito
há mais de 50 anos. Não sairia
um centavo dos cofres públicos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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