São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2006

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PASQUALE CIPRO NETO

Números futebolísticos

Desde que Cafu declarou ao mundo seu amor a Regina, "hexa" virou sinônimo de "hexacampeonato"

ALGUNS ULTRA-OTIMISTAS leitores querem saber o que vem depois de "hexa-". Mas já? E depois da bolinha que o nosso time apresentou nas duas primeiras partidas? Bem, como nosso futuro na Copa é um tanto incerto (na próxima quinta-feira o hexa poderá ser apenas uma miragem), achei que deveria tratar logo do caso. Vai que a Itália, Gana ou a República Tcheca elimine os pupilos de Parreira... Na verdade, nem os conterrâneos de Bush estão fora de cogitação.
Como afirmei na semana passada, em certas situações (Copa do Mundo, por exemplo) surgem "necessidades" lingüísticas interessantes -"insólitas" talvez seja o termo adequado, já que certamente é nessa categoria que se enquadram os adjetivos pátrios relativos a países que pouco freqüentam a nossa realidade. Quando voltaremos a usar "ganês" ou "ganense" (relativos a Gana), "trinitino", "trinitário", "trinitário-tobagense" ("-gense" mesmo, sem "u" depois do "g") ou "tobaguiano" (relativos a Trinidad e Tobago) e "tunisiano" (relativo à Tunísia -andam dizendo por aí "tunisino", que se refere a Túnis, capital do país)?
Mas voltemos ao que vem depois de "hexa-", não sem antes lembrar que esse elemento é grego e tem pronúncia instável. Em "hexágono", por exemplo, a pronúncia predominante é "hezágono"; em "hexacampeão", a emissão "hecsacampeão" ganha. O "Vocabulário Ortográfico" consagra as duas pronúncias do "x", nos dois casos, de modo que...
Também não se pode deixar de citar o interessante caso da substantivação do elemento antepositivo "hexa-", o que constitui caso mais do que comum na língua. Os mais velhos certamente se lembram dos tempos das máxis, que nada mais eram do que maxidesvalorizações da moeda nacional em relação ao dólar. Resultante da redução do termo latino "maximus", o elemento antepositivo "maxi-", que se pode combinar com diversas palavras, foi substantivado justamente como redução e sinônimo da palavra em que mais apareceu num certo período (maxidesvalorização, no caso). Em outros contextos, "máxi" se transformou em sinônimo de "maxicasaco", "maxivestido" ou "maxissaia".
O que se verificou com o elemento antepositivo latino "maxi-" ocorre agora com "hexa-", que, desde que Cafu declarou ao mundo seu amor a Regina, virou sinônimo de "hexacampeonato" ou "hexacampeão".
O leitor certamente notou que, quando substantivado, o elemento "maxi-" se escreve com acento agudo no "a" ("máxi"). Com a substantivação, chega-se a uma paroxítona terminada em "i", acentuada como "táxi", "beribéri", "dândi", "júri" etc.
Mas o que vem depois de "hexa-", santo Deus? Sim, sim, ia esquecendo que nem todos os elementos que usamos para designar essas noções de números são gregos. Em "bicampeão" e "tricampeão", por exemplo, ocorrem os elementos latinos "bi-" (equivalente do grego "di-", presente em "diarquia" e "dígamo", por exemplo) e "tri-" (presente em "trifásico" e "triciclo", por exemplo).
Só falta mesmo dizer que depois de "hexa-" vem "hepta-" (também grego). Quem ganha sete vezes é "heptacampeão" (sem hífen, como "bicampeão" etc.). Não custa lembrar, no entanto, que não se é "hepta" sem conquistar o "hexa". É isso.


@ - inculta@uol.com.br

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