São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

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EDUCAÇÃO

Vestibular menos rigoroso e mensalidades mais baixas atraem estudantes que não conseguem cursar medicina no Brasil

Bolívia vira "atalho" para estudar na Espanha

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DE MADRI

A dificuldade em passar no vestibular e os altos preços das faculdades particulares levam brasileiros a buscar um novo "atalho" para a carreira de medicina. Iniciam o curso em instituições da Bolívia, onde a seleção é menos rigorosa, graduam-se na Espanha e sonham em trabalhar no Brasil.
Nas universidades de medicina espanholas há pelo menos 25 brasileiros originários da nova rota Bolívia-Espanha. No geral, são estudantes que tentaram três ou quatro vestibulares em universidades públicas no Brasil, não passaram e já estavam a ponto de mudar "de profissão".
"Pensava em fazer veterinária, para não fugir muito da área, quando decidi ir para a Bolívia. Lá é muito mais fácil entrar, e, como a Bolívia tem um convênio com a Espanha, pedi transferência para Madri, onde o ensino é melhor", afirma o sul-mato-grossense Luis Adriano Raiter Domanshi, 27, que tentou, sem sucesso, três vestibulares para medicina.
Domanshi, que cursa o 5º ano de medicina na Universidade Complutense de Madri, foi seguido por seu irmão, Marcelo Raiter de Oliveira, 23, que está no 3º ano da mesma universidade.
As justificativas dos dois para optar pela rota são muitas: desde o alto valor dos cursos no Brasil, o rígido vestibular ou o elitismo das universidades públicas destinadas a alunos que tiveram dinheiro para subsidiar um bom estudo.
O primeiro passo é a Bolívia, cujas faculdades são vistas como um "trampolim" para outras melhores. Os alunos sabem que o ensino não goza de prestígio no Brasil, devido ao grande número de instituições daquele país que oferecem cursos considerados sem validade educacional.
A prova de seleção na Bolívia é considerada mais fácil do que no Brasil ou na Espanha. Depois, é só dar entrada no processo de transferência. "Isso não é difícil. Tive muita sorte e fui um dos primeiros brasileiros a chegar à Espanha. Mas esse cenário está mudando, o número de vagas na Espanha diminuiu", diz Domanshi.
Para estudar um ano na Bolívia, tempo médio que um brasileiro gasta para o "trampolim", o aluno paga cerca de R$ 3.600, enquanto no Brasil desembolsaria de R$ 12 mil a R$ 24 mil por um ano em uma faculdade de medicina.
Na Espanha, o curso é ainda mais barato. Em média, paga-se cerca de R$ 1.800 por ano, o que pode representar apenas uma mensalidade no Brasil.
Se preço é acessível, o curso decepciona um pouco os brasileiros. Diferentemente do ensino no Brasil, que segue a doutrina americana e favorece aulas práticas, a graduação espanhola é bastante teórica. Práticas consideradas simples como a suturação ou a participação em partos normais só são permitidas, ainda com restrições, durante a residência (período de especialização, após os seis anos de curso).
"Estudamos muita teoria, temos os melhores professores, mas não temos nada de prática. Aqui os professores têm uma preocupação muito grande com processos judiciais, a responsabilidade é muito grande. Essa falta de aulas práticas desanima um pouco", diz o mineiro Gilberto Monteiro de Araújo, 33, que está no 3º ano.
Antes de viajar para a Bolívia, Araújo cursou prótese dentária no Brasil. "Não era o que queria, mas estava desistindo da profissão", diz o mineiro, que, neste ano, vai tentar uma transferência para uma faculdade brasileira.
"Sei que é difícil conseguir, principalmente em uma pública. Mas quero voltar para o Brasil", afirma o estudante.



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