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São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003

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Donos do antigo hotel Santos Dumont foram surpreendidos e deixaram o local; invasora diz que não tinha outra opção

Proprietários moravam em prédio invadido

DA REPORTAGEM LOCAL

A intenção dos sem-teto era ocupar apenas prédios particulares vazios em São Paulo. Mas, em um deles, os invasores depararam com os próprios proprietários dormindo no edifício.
O comerciante Mário Lobo Yaakov Sznifer, 21, conta que ele e seu pai estão entre os herdeiros do imóvel que já foi sede do hotel Santos Dumont, na rua Mauá, ao lado da estação ferroviária da Luz. "Foi meu avô quem construiu", conta. "Quando os sem-teto arrombaram a porta e entraram, eu pulei da cama, assustado, sem entender nada", afirma Sznifer, que passou a madrugada dentro do prédio, mas que saiu ontem à tarde do imóvel para ficar na casa de parentes no interior do Estado. O pai dele ficaria no apartamento de um amigo na capital paulista.
"Vamos negociar com os sem-teto para que eles consigam dinheiro para comprar da gente. Eles não podem nos prejudicar." A família, que decidiu vender a propriedade neste ano, após a morte da avó, diz que ela está avaliada em R$ 5 milhões. Mas, segundo as lideranças dos sem-teto, os donos não pagam IPTU há mais de 20 anos (Sznifer confirma que há atrasos, mas afirma não saber desde quando).
Desde que nasceu, Sznifer vive com sua família lá. "Eu tinha um quarto isolado no 4º andar e meu pai ficava no 2º andar. Minhas irmãs também já viveram aqui, mas hoje estão em Atibaia. Minha mãe vive no Japão", afirma. Ao lado da construção, eles mantêm uma loja de artigos para viagem. "Os sem-teto estão usando a água da minha loja", reclamou.
Questionado sobre as condições do edifício, aparentemente abandonado (sujo e com a pintura desgastada), Sznifer diz: "A estrutura ainda está boa, foi feita para aguentar até 12 andares, mas tem muita barata e muito rato".

Tarefas
Grávida de quase seis meses, a operadora de telemarketing Ana Maria Tudéia Mendes, 29, era uma das 500 pessoas que participaram da invasão do edifício da rua Aurora. Ela tem outros dois filhos, de 8 e 6 anos, e morava em uma pensão no centro, ao lado do marido, que sustenta a família com um salário mínimo -dinheiro suficiente só para pagar o aluguel. Ela está desempregada e disse que não teve outra opção.
Na ocupação, todos têm de contribuir para cuidar do imóvel. As divisões de tarefas incluem turnos de vigilância na porta de entrada, limpeza, cozinha e o cuidado das crianças. As participações nas tarefas funcionam como uma contagem de pontos para a escolha dos beneficiários em caso de o imóvel vir a ser dividido entre os ocupantes. Como há mais invasor que moradias, quem participa mais tem mais chance de ter sua casa primeiro.
No hotel Danúbio, a preocupação é com os móveis que estão no prédio. Hamilton Sílvio de Souza, 42, um dos coordenadores do MSTRC (Movimento Sem-Teto da Região Central), afirmou que no edifício ainda há camas, televisões, sofás e edredons que pertenciam ao hotel. "Queremos ter cuidado para que não suma nada."
Os sem-teto também encontraram móveis no prédio do antigo hotel Terminus, na avenida Ipiranga. "Já havia cama e colchão por aqui", afirmou Ednalva Franco, 30, que só reclamava da falta de luz e de água. O clima ontem era de tensão no edifício, por conta das ameaças de PMs de retirar os invasores. "A ordem é resistir até a morte. Os PMs já me agrediram durante a madrugada", disse. (ALENCAR IZIDORO E CHICO DE GOIS)


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