São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2000


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Uso errado de arma mata 12 e fere 238 PMs em 4 anos

DA SUCURSAL DO RIO

Um estudo elaborado pelo capitão da Polícia Militar Paulo Storani mostra que policiais militares também são vítimas de suas armas: de 1995 a 1999, 238 PMs do Rio de Janeiro se feriram e 12 morreram quando manuseavam o próprio armamento.
Em todos esses relatos, o policial se feriu sozinho, com sua própria arma. Isso equivale a 47,8 casos de PMs feridos por ano. Dos 238 casos de ferimentos, 147 ocorreram durante o serviço e 91 durante a folga. As 12 mortes ocorreram em serviço.
A pesquisa de Storani também mostra que, no mesmo período, de acordo com dados obtidos por ele na Polícia Militar, 502 policiais foram feridos em serviço e 82 morreram.
"É um absurdo que, enquanto 502 PMs foram feridos em atividade de trabalho, 238 tenham se ferido com suas armas. É inaceitável", afirma o capitão, instrutor de tiro do Bope (Batalhão de Operações Especiais) por três anos e hoje na reserva.
Storani está lotado na Coordenação de Tecnologia da Secretaria de Segurança. Concluiu o trabalho em março deste ano, para um curso de pós-graduação na Universidade Gama Filho.
O estudo não traz dados sobre acidentes com armas de fogo nas PMs de outros Estados. Tampouco permite saber se há, nos relatos de autolesão, casos "disfarçados" de suicídios ou de ferimentos provocados por terceiros.
O episódio mais recente e mais traumático de erro de pontaria de um PM no Rio aconteceu em junho, no sequestro do ônibus 174.
O soldado Marcelo Oliveira atirou no sequestrador Sandro do Nascimento, mas acertou o rosto da refém Geísa Gonçalves. Foi o tempo suficiente para que o sequestrador disparasse mais três tiros contra Geísa, que acabou morrendo.
Coordenador da área de saúde do trabalho da Fundação Oswaldo Cruz, o professor Jorge Machado considera alto os índices revelados na pesquisa de Storani, embora de difícil comparação com dados similares.
"Os acidentes de trabalho são muito subnotificados no Brasil. Nesse caso, o ideal é não ter morte por autolesão, já que o policial está sujeito a tantos perigos", afirma Machado.

Estresse e treinamento
O capitão Storani aponta algumas razões para os casos de autolesão: o estresse de confronto sofrido pelo policial no combate ao crime, a insuficiência do treinamento de tiro recebido por eles na Polícia Militar e o descumprimento de normas de segurança.
O estresse de confronto acontece na seguinte situação: cercado por traficantes armados numa favela, o policial, tenso, pode perder o perfeito controle de seus movimentos e acabar fazendo um disparo acidental.
Storani atribui ao estresse o erro do soldado do 174. Ele acha que o soldado Marcelo Oliveira ficou muito tempo parado antes de atirar e perdeu o controle de seus movimentos.
Outro erro comum: guardar a arma na cintura, quando, pela norma de segurança, o certo seria guardá-la no coldre. Na retirada da arma, pode haver um disparo acidental. Também há casos de acidentes durante o manuseio da arma para limpeza.
Por fim, Storani considera que o treinamento de tiro da Polícia Militar precisa ser modernizado e intensificado, com ênfase na melhoria da habilidade motora e da percepção do policial.

Reações fisiológicas
Em sua pesquisa, o capitão da PM desenvolveu um método de treinamento de tiro e realizou testes para medir o nível de estresse de 120 recrutas antes do treino. Ele descobriu que, em média, a frequência cardíaca dos recrutas quase dobrou.
Storani diz que o policial, como qualquer ser humano, está sujeito a reações fisiológicas provocadas pelo estresse.
"Essa mudança foi só no teste, imagine no momento do confronto. Ninguém consegue ver o policial como ser humano", afirma.
Depois de um treinamento intensivo, os recrutas testados tiveram sua performance de tiro melhorada em 46%: reagiram ao estímulo de forma mais rápida, precisa e seletiva.
"Um dos riscos do erro na seletividade do alvo, por exemplo, é atingir um inocente. Aí é zero no teste", afirma Storani. (FE)



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