São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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DANUZA LEÃO

Revolta feminina

São 5h da tarde de sexta-feira e minha impressora pifou. Fui tentar sei lá o que, me embaralhei, troquei todos os fios e o Velox foi para o espaço -e tente pedir um técnico deles na sua casa para saber o que é bom para a tosse.
Na última hora e meia tive que pedir na farmácia uma caixa de Lexotan (no paralelo), meu amigo das horas más me mandou três, eu tive que pagar todas elas, o garoto não tinha troco, desceu e voltou -e eu atendendo o porteiro eletrônico e abrindo a porta. Chegaram as duas cadeiras que eu tinha mandado consertar, meu braço sem gesso está um pavor, faço fisioterapia (sozinha) o dia inteiro, continuo escrevendo com dois dedos, o gato está deitado no meu peito, entre o teclado do computador e meu pescoço e daqui a pouco vou fazer uma nebulização, com o gato querendo comer o fio do aparelho.
Cada vez que o telefone toca eu tenho que sair correndo para atender lá dentro -as últimas três foram para a empregada-, e me ligaram também da loja de tapetes para me dar um orçamento. Isso numa tarde de sexta.
Meus filhos sumiram; uma está em São Paulo, o outro foi meditar no fim de semana; eu não tenho com quem me queixar e estou precisando muito. Eu preciso falar, gritar, perguntar de que cor deve ser meu sofá, alguém tem que me dizer que deve ser roxo para eu poder discordar bastante, mas não estou mais agüentando discordar de mim mesma sozinha, com um braço meio inútil. E detalhe: gorda.
É claro que em sete semanas parada, com um braço engessado, sem fazer um só exercício, qual é a alegria que você pode ter? Comer, é claro. E eu comi; e muito, graças a Deus.
Contrariando o calendário, foram travessas e travessas de rabanadas, bolo de chocolate com cobertura, latas e latas de doce de leite argentino, a coisa melhor (e mais doce) do mundo, melhor do que um namorado novo. Ainda por cima descobri um restaurante onde tem feijoada todos os dias da semana, de segunda a segunda, no almoço e no jantar. O torresmo é de gritar, de tão bom -e sem pelo-, e têm sido duas por semana, Deus seja louvado.
Agora, eu queria saber por que razão tenho que ser magra. As que eu acho divinas são todas normais: Andie MacDowell, Sharon Stone, Madonna, nenhuma é um espeto. Espeto mesmo, só as manequins e mais ninguém. Ai, como a vida é difícil.
Passei décadas com fome, elegendo a magreza como a maior graça a ser alcançada, e tinha me esquecido do que era uma vida normal, beliscando uma batatinha frita aqui, comendo uma empadinha de camarão ali e tirando do meu vocabulário a palavra dieta, único assunto entre as mulheres -dependendo da idade, dieta e homem. E sendo feliz; comer faz as pessoas muito felizes.
Não quero mais saber de saladas e peito de peru defumado; quero muitos pães para passar no azeite, costelinhas de porco, lingüicinhas fritas -e sem limite. Cansei de ser escrava do manequim 38 e pretendo ser 42 vendo o quanto a vida pode ser melhor do que foi nos últimos anos.
Para completar a tarde de sexta acabam de me ligar do dentista confirmando a hora para segunda. Razão mais do que suficiente para eu descer e comer um sanduíche de queijo com banana com um refrigerante.
E que não seja light.

PS.: Ainda por cima deixei de fumar e recebi um e-mail recebendo muitos elogios. A vida está muito insuportável.


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