São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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ATLETAS DE SOFÁ

Lançamento de martelo, hóquei, esgrima: alucinados por Olimpíada param tudo para ver qualquer esporte

Loucos por Jogos fazem vigília em frente à televisão

DÉBORA YURI
DA REVISTA

A administradora Dora Bello Rossetti, 56, não sai mais de casa. Seu filho, o advogado Gilberto, 29, e a assistente de marketing Elaine Pereira, 32, têm evitado compromissos sociais. O engenheiro Alexandre Guzela, 23, tirou férias. Thiago De Rose, 22, agora dorme das 20h30 às 3h. O publicitário Washington Olivetto, 52, e o estudante Sílvio Leonardo de Souza Cruz, 21, passam madrugadas em claro. O motivo da nova rotina é um só: eles são loucos por Olimpíadas e desde o início dos Jogos de Atenas, há dez dias, não querem saber de outra coisa.
Como só acontece a cada quatro anos durante duas semanas, o evento é encarado com muita seriedade pelos "medalhistas do sofá". Alexandre, que trabalha e cursa engenharia à noite, iniciou o seu planejamento para Atenas-2004 no ano passado, quando marcou férias para o dia 13 de agosto, data de início dos Jogos. Em janeiro, assinou TV paga e, um mês antes que a tocha fosse acesa, criou uma tabela completa das modalidades no computador.
Agora, está "no paraíso": acompanha os Jogos das 3h às 18h, horário brasileiro das disputas, devido à diferença do fuso de seis horas. "Programo meu despertador para tocar às 2h30, mas tenho andado ansioso, então sempre acordo antes. Não saio de frente da TV, como no sofá, vou ao banheiro rapidinho e só marco compromissos e faço supermercado depois das 18h. Esperei quatro anos. Não quero perder nada", diz.
A mãe, Lúcia, 52, conta que o filho é maluco por Olimpíadas desde Barcelona-2002, quando, aos 12, passou a acompanhar a competição o tempo inteiro. "Os amigos até chamaram o Alexandre para ir à Bahia, mas ele disse que não poderia viajar por causa de Atenas. Talvez depois."
Os alucinados pelos Jogos têm algumas características em comum: geralmente, são solitários em sua fissura, torcem com fanatismo por um time de futebol e já tentaram praticar esportes, invariavelmente sem sucesso.
"Eu sei as regras de tudo, mas não tenho talento para nada. Tentei várias coisas, já fui goleiro de handebol, joguei vôlei", conta Alexandre, são-paulino que adora esgrima e lamenta que provas de tiro passem pouco na TV.
Elaine Pereira, que colocou o hino do Palmeiras como toque de seu celular e chora com as derrotas do time desde os quatro anos de idade, diz que tentou corrida. "Na minha primeira experiência com bola, já virei o dedo", lamenta ela, que vê os Jogos desde Moscou-1980, quando tinha oito anos.
Ao receber a reportagem, ela vai logo disparando o último boletim olímpico. Como boa atleta do sofá, Elaine é do tipo que pára tudo para assistir qualquer coisa. E, como boa representante do sexo feminino, ela chora -muito. "No domingo, chorei quando a ginasta mexicana caiu. Morro de pena dos atletas. Também não posso ver compactos de cenas olímpicas com aquelas músicas lentas..."
Durante a entrevista, ela conta que está tensa. Tem Brasil x Itália no vôlei bem na hora de uma reunião. "Mas já combinei com a minha mãe, vou deixar o celular no vibrador." Elaine tem programado a TV para ligar de madrugada, na hora das provas, e já está pensando em Pequim-2008. "Meu sonho é assistir uma ao vivo."
Tanto Elaine como Alexandre preferem Jogos Olímpicos a Copa do Mundo. "É a grande maratona, envolve quase todos os países e modalidades", diz ele, um dos 160 mil inscritos para as 45 mil vagas de voluntários em Atenas. Alexandre não foi selecionado, mas já começou a fazer uma poupança para Pequim-2008.
No apartamento de Dora Bello Rossetti, 56, o espírito olímpico está presente "desde sempre". "Eu "nasci" numa quadra de vôlei e joguei a vida toda. Tenho saudade do cheiro do piso, do tênis, da transpiração", diz ela, que coleciona fitas de vídeos de Olimpíadas -as favoritas são as dos jogos do time de vôlei campeão de 1992 e as de cerimônias de abertura.
"Eu me internei aqui em casa na abertura da competição e não pus mais o nariz para fora." Ela e o filho, o advogado Gilberto, 29, montaram "uma estrutura" em casa com três televisões, videocassetes e internet para acompanhar tudo. "E daí que nem sempre há brasileiro competindo?", diz ele.
Alguns nem ligam para a falta de "apoio" na hora de comer pipoca, fazer figa e xingar juízes. Para o publicitário Washington Olivetto, presidente da W/Brasil, a companhia perfeita é sua própria concentração. "Não gosto de dispersão. Busco ter a mesma concentração do atleta que está lá."
A tara por Olimpíada, ele lembra, começou com os Jogos Pan-Americanos de São Paulo (1963), em que assistiu "todas as coisas" ao vivo. Fanático por basquete, praticou o esporte até os 13 anos, quando estourou o menisco. "Eu queria ser o Wlamir Marques [jogador que brilhou nos anos 60 com a seleção brasileira]", diz.
Com três Copas na bagagem, ele nunca viu Jogos Olímpicos ao vivo. "Em termos de grandiosidade, Copa é torneio e Olimpíada é competição. E ela esbanja um atrativo que nenhum outro evento tem: o prazer de estar lá já é um prêmio para o atleta."
A possibilidade de, a cada dia, descobrir um nome ou time novo para torcer também o encanta. "Não é como no futebol, em que eu sou Corinthians e ponto final."
Também corintiano fanático, o assistente de marketing Thiago De Rose, 22, cita as provas "em que um erro determina tudo" como as mais apaixonantes dos Jogos, como hipismo e ginástica: "Atletismo e natação também, os caras se matam por centésimos".
Sílvio Leonardo Cruz, 21, estudante de ciência da computação na Universidade Federal de Minas Gerais e cruzeirense fanático, sente saudades de Sydney, a Olimpíada. "Eu estudava em período integral e atravessava a madrugada vendo tudo", lembra. A partir do próximo domingo, também vai sentir saudade de Atenas. E esperar por Pequim.


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