São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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SAÚDE

Doença afeta 1,8% da população brasileira e pode ter outros sintomas sutis que dificultam o diagnóstico

Epilepsia entre jovens pode ser curável

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Era sábado e a adolescente Cintia Bucci, então com 15 anos, estudava para uma prova que faria na segunda-feira no colégio Bandeirantes, um dos mais tradicionais de São Paulo. De repente, "apagou". Foi encontrada no chão, inconsciente, pela mãe.
Os pais levaram a menina a um clínico-geral, que descartou um problema mais sério. "É estresse. Ela é muito exigente consigo mesma", disse o médico. Mas os desmaios, acompanhados de contrações involuntárias dos membros (mioclonias), tornaram-se freqüentes em casa e na escola.
Começava aí uma via-sacra da família por mais de dez especialistas, entre neurologistas, psiquiatras e endocrinologistas. Foram dois anos até que o problema de Cintia fosse finalmente diagnosticado: era epilepsia, uma disfunção cerebral que afeta 1,8% da população brasileira -cerca de 2,5 milhões de pessoas.
Historicamente cercada por mitos e preconceitos-o termo epilepsia tem origem grega e significa invasão do corpo- a doença, na sua forma benigna, responde por 25% do total de casos e é comum na infância e na adolescência. Pode ser controlada com drogas antiepilépticas e, às vezes, até curada. Cintia, desde que iniciou o tratamento correto, há sete anos, não apresentou mais as crises. Atualmente, cursa letras na USP-SP e atua como tradutora.
Segundo Elza Márcia Targas Yacubian, chefe da Unidade de Pesquisa e Tratamento da Epilepsias da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a epilepsia pode ter origem em ferimentos sofridos na cabeça, traumas na hora do parto, herança genética, abuso de álcool e de drogas, doenças neurológicas progressivas etc.
Ela afirma que crianças até quatro anos são mais vulneráveis às lesões porque o sistema nervoso ainda está em formação. "Nessa fase, até uma forte convulsão pode determinar uma lesão que vai demorar décadas para aparecer."
De acordo com a médica Maria Luiza Manreza, da clínica neurológica do Hospital das Clínicas de São Paulo, entre os jovens que saem à noite, bebem, dormem poucas horas e tem um despertar não-espontâneo, as crises epilépticas podem ser freqüentes, embora pouco reconhecidas, pois as manifestações são sutis.
Manreza diz que a falta de sono e o álcool podem promover, em pessoas com epilepsia, uma maior irritação no cérebro.
Alguns tipos de epilepsia benigna se caracterizam por "ausências", outros por contrações rápidas nos braços (com total preservação da consciência), que leva a pessoa a derrubar objetos da mão.
A dificuldade de diagnóstico reside no fato de, muitas vezes, o eletroencefalograma não registrar as descargas elétricas no cérebro. Nesses casos, segundo Yacubian, o histórico clínico do paciente e testemunhos de pessoas que já presenciaram as crises são muito importantes para a investigação do tipo de epilepsia em questão e da terapia correta a ser prescrita.
Embora hoje 70% das pessoas com crises epilépticas sejam tratadas com as drogas antiepiléticas, casos em que a doença não responde ao tratamento podem ser resolvidos com outras alternativas, como a cirurgia -retirada da parte cerebral lesionada- ou uma dieta rica em gordura.
No Brasil, algumas medicações e a cirurgia são custeadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Para Yacubian, que também preside a ABE (Associação Brasileira de Epilepsia), o maior problema das pessoas com epilepsia ainda é o preconceito. "Até os familiares evitam falar o nome da doença", afirma Manreza. "É uma pena porque as pessoas podem viver normalmente. Ninguém cria problema se a pessoa é diabética ou asmática."
Além do preconceito, há também falta de informação. É comum, por exemplo, as pessoas com epilepsia terem a boca machucada e até dente quebrado porque, durante a crise, alguém enfia o dedo na boca para "desenrolar a língua".
Nessas situações, a pessoa não respira porque o centro respiratório do cérebro está envolvido pelas descargas elétricas, que também alteram os batimentos cardíaca e a pressão arterial.


Serviço: no próximo dia 9, a ABE faz um ciclo de palestras sobre epilepsia. Informações: www.epilepsiabrasil.org.br


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