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LETRAS JURÍDICAS
Falta uma Constituição à Previdência
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro da Previdência, aquele que chuta pênalti na bandeira de escanteio,
voltou atrás, pediu desculpas aos
aposentados com mais de 90
anos, mostrando-se previdente
quanto a seu futuro político, mas
trouxe à baila novamente a questão dos idosos. Foi salvo, em parte, pela sábia decisão de um juiz,
deste nosso Judiciário tão escarnecido pelo Executivo, ao sustar o
cumprimento da decisão do ministro que mandava não pagar
aos aposentados com mais de 90
anos.
O recentíssimo Estatuto do Idoso, destinado a regulamentar o
artigo 230 da Constituição, afirma a imperativa proteção especial às pessoas com mais de 60
anos, 30 a menos do que muitos
dos frequentadores das filas do
INSS. Todavia é preciso reconhecer que o ministro tem sua razão
quando se queixa da corrupção
histórica na Previdência Social. É,
possivelmente, o setor da administração recordista em casos escabrosos, em volume e em participantes, de fraude dos cofres públicos, alimentados pelos descontos
de vencimentos dos trabalhadores. Mas, se, por um lado, o ministro deve persistir no seu esforço de
extinguir (ou, pelo menos, diminuir) os desmandos da corrupção
e da ineficiência, que as filas retratam tragicamente, por outro,
deve implementar o pagamento
das dívidas previdenciárias, ao
menos nos casos já transitados
em julgado, dispensando seus advogados de recorrer até o infinito,
com multas até por litigância de
má-fé. Pondo força nesses pontos
(pagar o que deve e impedir que o
dinheiro vá para mãos criminosas em vez de chegar aos aposentados), o ministro se recuperará
do erro de punir os nonagenários,
erro que deve ter sufocado a doutora Jorgina às gargalhadas.
Os desacertos da Previdência
sugerem que falta uma Constituição em sua biblioteca. Há, porém,
princípios constitucionais aptos a
ajudar o ministro. Um deles é o
da moralidade administrativa
(artigo 37). Quem quer receber
seus créditos, mas ao mesmo tempo não paga seus débitos, frustra
a moralidade, adjetivada de administrativa ou não-adjetivada.
Nem o ministério nem o INSS, seu
braço administrativo mais importante, pagam o que devem no
tempo certo e, ao reverso, maltratam seus credores, mesmo quando anunciam a intenção de rever
pensões. Ofendem o direito dos
idosos com enormes esperas, que
só fazem agitar os ânimos e prejudicar a saúde. O princípio da eficiência, também referido no artigo 37, determina a busca do melhor resultado no menor tempo
com menor gasto. Quem conhece
a Previdência Social no Brasil sabe que esse princípio não é obedecido, embora certas melhoras sejam reconhecidas.
Outra noção essencial para o
exercício de funções públicas em
nosso país é a da dignidade de
cargo. A dignidade impõe igualdade de tratamento para todos e,
além de eficiência e moralidade, o
rigoroso respeito aos princípios
da legalidade. Nenhum desses
conceitos pode ser aplicado quando convém ao titular de qualquer
cargo, mas ser ignorado em condições desfavoráveis. O Judiciário
tem sua parte de culpa, contribuindo para que os processos se
eternizem. Facilita a vida do Poder Executivo. Todavia parece
que estamos a caminho de uma
reação, como aconteceu nesta semana, ao ser expedida ordem para o pagamento dos atrasados e a
extinção das filas. Quando pressionado, o Judiciário acaba compondo com o Executivo, mas, desta vez, tem-se a impressão de que
a coisa é para valer. Bom para os
aposentados.
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