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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Falta uma Constituição à Previdência

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O ministro da Previdência, aquele que chuta pênalti na bandeira de escanteio, voltou atrás, pediu desculpas aos aposentados com mais de 90 anos, mostrando-se previdente quanto a seu futuro político, mas trouxe à baila novamente a questão dos idosos. Foi salvo, em parte, pela sábia decisão de um juiz, deste nosso Judiciário tão escarnecido pelo Executivo, ao sustar o cumprimento da decisão do ministro que mandava não pagar aos aposentados com mais de 90 anos.
O recentíssimo Estatuto do Idoso, destinado a regulamentar o artigo 230 da Constituição, afirma a imperativa proteção especial às pessoas com mais de 60 anos, 30 a menos do que muitos dos frequentadores das filas do INSS. Todavia é preciso reconhecer que o ministro tem sua razão quando se queixa da corrupção histórica na Previdência Social. É, possivelmente, o setor da administração recordista em casos escabrosos, em volume e em participantes, de fraude dos cofres públicos, alimentados pelos descontos de vencimentos dos trabalhadores. Mas, se, por um lado, o ministro deve persistir no seu esforço de extinguir (ou, pelo menos, diminuir) os desmandos da corrupção e da ineficiência, que as filas retratam tragicamente, por outro, deve implementar o pagamento das dívidas previdenciárias, ao menos nos casos já transitados em julgado, dispensando seus advogados de recorrer até o infinito, com multas até por litigância de má-fé. Pondo força nesses pontos (pagar o que deve e impedir que o dinheiro vá para mãos criminosas em vez de chegar aos aposentados), o ministro se recuperará do erro de punir os nonagenários, erro que deve ter sufocado a doutora Jorgina às gargalhadas.
Os desacertos da Previdência sugerem que falta uma Constituição em sua biblioteca. Há, porém, princípios constitucionais aptos a ajudar o ministro. Um deles é o da moralidade administrativa (artigo 37). Quem quer receber seus créditos, mas ao mesmo tempo não paga seus débitos, frustra a moralidade, adjetivada de administrativa ou não-adjetivada. Nem o ministério nem o INSS, seu braço administrativo mais importante, pagam o que devem no tempo certo e, ao reverso, maltratam seus credores, mesmo quando anunciam a intenção de rever pensões. Ofendem o direito dos idosos com enormes esperas, que só fazem agitar os ânimos e prejudicar a saúde. O princípio da eficiência, também referido no artigo 37, determina a busca do melhor resultado no menor tempo com menor gasto. Quem conhece a Previdência Social no Brasil sabe que esse princípio não é obedecido, embora certas melhoras sejam reconhecidas.
Outra noção essencial para o exercício de funções públicas em nosso país é a da dignidade de cargo. A dignidade impõe igualdade de tratamento para todos e, além de eficiência e moralidade, o rigoroso respeito aos princípios da legalidade. Nenhum desses conceitos pode ser aplicado quando convém ao titular de qualquer cargo, mas ser ignorado em condições desfavoráveis. O Judiciário tem sua parte de culpa, contribuindo para que os processos se eternizem. Facilita a vida do Poder Executivo. Todavia parece que estamos a caminho de uma reação, como aconteceu nesta semana, ao ser expedida ordem para o pagamento dos atrasados e a extinção das filas. Quando pressionado, o Judiciário acaba compondo com o Executivo, mas, desta vez, tem-se a impressão de que a coisa é para valer. Bom para os aposentados.


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