São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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COMPORTAMENTO

Plásticas desnecessárias motivaram investigação sobre preocupação com defeito imaginário na aparência

Obsessão com forma física é alvo de estudos

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Julia, 16, é linda, morena, tem olhos verdes, formas e medidas perfeitas. Mas não gosta da barriga. Não tira as blusas largas, mesmo no verão. Se acha que comeu demais, tranca-se no quarto por dias, não atende o telefone.
Aos olhos dos outros, sua barriga é tão perfeita quanto as outras partes de seu corpo. A seus olhos, é uma "coisa horrível", que a atormenta e a deprime.
Julia passa horas diante do espelho, mas a imagem que vê não é aquela que o espelho reflete.
A adolescente sofre de dismorfia da imagem, ou Distúrbio Dismórfico Corporal. Trata-se de uma preocupação excessiva com um defeito imaginário na aparência física, uma desordem grave já classificada como doença.
Ela optou por fazer terapia, mas muitos que sofrem como ela -homens e mulheres- se refugiam em dietas drásticas, exercícios físicos exagerados, medicamentos ou cirurgias plásticas.
O resultado costuma ser pior ainda. A situação preocupa tanto que pelo menos dois trabalhos estão sendo publicados em São Paulo sobre o tema. Em um deles, um grupo do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) validou um questionário auto-aplicável que mede o nível de "transtorno da imagem corporal". Ao responder 34 perguntas e contabilizar os pontos, a pessoa saberá se seu transtorno é leve, moderado ou grave (leia o teste nesta pág.).
A indicação para quem estiver nas duas últimas classificações do teste será um terapeuta, não um cirurgião plástico.
"Foi o número de pessoas procurando por cirurgias plásticas desnecessárias e frequentadores de academia que nunca estão contentes com seus músculos que nos chamaram a atenção", diz Dartiu Xavier da Silveira, um dos autores da tese que validou o questionário juntamente com Mônica Cristina Di Pietro e Evelyn Doering Xavier da Silveira.
O texto adotado como modelo foi o Body Shape Questionnaire (BSQ), de Z. Cooper e colaboradores, de 1987, validado inicialmente com 535 mulheres inglesas comparadas com 38 pacientes bulímicas. Em 1995, o teste foi validado nos EUA com pacientes portadores de alteração de imagem corporal, obesos que faziam dietas e universitárias.
No Brasil, o questionário foi validado com a participação de 164 estudantes de ambos os sexos frequentando os três primeiros anos do curso de medicina da Unifesp.
"O questionário pode detectar desde um vaidoso extremo até um anoréxico", diz Mônica Di Pietro. "Do ponto de vista patológico, é para investigar transtornos alimentares. Na cirurgia plástica, ele permite investigar o que há por trás da imagem que o paciente faz de si mesmo."

Da cama para a mesa
O outro trabalho, que acaba de ser publicado, foi realizado por Mara Cristina Souza de Lucia e Kátia Osternack Pinto, as duas da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Elas entrevistaram 346 adultos "normais" da cidade de São Paulo com o objetivo de medir o Distúrbio Dismórfico Corporal, ou a preocupação com um "defeito imaginário na aparência física" que acarreta prejuízos afetivos e sociais na vida da pessoa.
Mara de Lucia, que também preside o Centro de Estudos em Psicologia da Saúde, diz que a pesquisa confirma o "relacionamento com o corpo como um dos maiores problemas atuais".
"O pecado migrou da cama para a mesa, não é mais o sexo, é a comida", ela diz. "O corpo perdeu o sentido de ser um veículo de experiências, do sentir, do fazer sexo. O corpo hoje é só um objeto de apresentação, para ser olhado, fotografado. É para ser insinuado, desejado, mas um desejado que não vai ser vivido."
A pesquisa mostrou que 17% dos entrevistados tinham prejuízos sociais e pessoais decorrentes da preocupação com a aparência, como problemas na escola, no trabalho e nos relacionamentos.
Cerca de 67% das mulheres se "imaginam cortando porções de seu corpo em cirurgias plásticas" e 5,6%, entre homens e mulheres, já fizeram uma plástica e continuavam esperando por outra.
"É um problema emocional em relação a um defeito que ele imagina e amplia", diz Mara de Lucia. "O feio para ele toma dimensões tão enormes que só sai à noite ou evita encontros por vergonha."
Na pesquisa, 36% das mulheres disseram não gostar de uma parte do corpo, 18% não gostam de duas e 4% não gostam de nenhuma parte. A barriga é a parte que menos gostam: 33% das mulheres e 22% dos homens afirmaram não gostar dela.
O Hospital das Clínicas atende pacientes que sofrem de distúrbios da imagem corporal, compulsão alimentar e obesidade. São 400 vagas.


Centro de Estudos em Psicologia: tel. 0/ xx/11/3064-3186


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