São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2007

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WALTER CENEVIVA

A criação do inferno urbano

O Estatuto da Cidade põe as normas básicas à disposição de cada cidadão para resguardo de seus direitos

AS OPERAÇÕES POLICIAIS-MILITARES de afastamento de moradores em algumas favelas em São Paulo e de perseguição criminal no Rio de Janeiro chamaram a atenção dos moradores de grandes cidades nas últimas semanas. Corresponderam a mais uma amostra de que nossos aglomerados urbanos (em particular os de maior porte) vivem problema social cada vez mais perturbador. A solução não é só questão de governo. Também concerne à cidadania.
Faço uma parada. Conto-lhe que esta coluna se destina a ter 3.200 toques de computador, ou seja, 3.200 caracteres com espaços. A parada serve para admitir a impossibilidade de esgotar o assunto município-e-suas-soluções, mesmo restrito às suas feições legais.
A impossibilidade não impede, porém, o levantamento de alguns pontos para sua meditação. As grandes cidades, em 1969, sob a ordem militar, centralizaram regiões metropolitanas obrigatórias e, em parte, submetidas ao governo central. Em 1988, deixaram de ser obrigatórias, mas o fato social as cria, ainda que não queiramos. A Constituição e, no plano ordinário, o Estatuto da Cidade (lei 10.257/01) trazem provisões gerais para municípios de todo o país, integrados ou não em regiões metropolitanas.
A Carta Magna e o Estatuto não suprem, porém, o universo heterogêneo de nossa realidade, que vai de Porto Alegre a Recife, da montanhosa e misteriosa São Tomé das Letras à clássica arquitetura colonial de São Luís do Paraitinga. São diversas em tudo. O Estatuto da Cidade foi, contudo, o principal instrumento da lei federal editado para dar ordem à administração pública e às garantias fundamentais dos habitantes dos núcleos urbanos. Nele, o Plano Diretor, exigido para urbes com mais de 20 mil habitantes, é o documento-base para as idéias de aproveitamento da área urbana e seus equipamentos. Por falar nisso, você conhece o Plano Diretor de sua cidade?
Na distribuição de direitos e obrigações individuais ou coletivos na cidade atual, estão as matérias alusivas ao parcelamento do solo urbano, às edificações existentes e, por serem construídos, aos imóveis não utilizados ou subutilizados, assim mantidos para fins de simples valorização por seus proprietários, ao uso e à preservação do sistema viário e assim por diante.
O Estatuto da Cidade põe as normas básicas à disposição de cada cidadão para resguardo de seus direitos, mesmo em face do fenômeno social transformador das cidades, nos últimos 50 ou 60 anos. Hoje, parece razoável admitir que o crescimento desmedido e rapidíssimo das populações urbanas se interrompeu, ou, pelo menos, arrefeceu.
Se a mudança de ritmo for verdadeira, a intervenção ativa dos munícipes será mais importante do que sempre foi. Já não serão obras novas as que predominarão, mas a correção das existentes, servindo de exemplo as destinadas preponderantemente ao transporte coletivo.
Sejam, porém, o que forem, o ser humano municipal deve estar atento para interferir no processo. Senão individualmente, ao menos em grupos, pondo a claro a defesa de seus interesses. O Estatuto da Cidade, apesar de suas insuficiências, tem a vantagem de permitir e estimular tal participação. Lembremos que o inferno urbano se cria, em grande parte, pela nossa omissão.


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