São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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MOACYR SCLIAR

A bolsa cai, mas dá lucro

 Três mulheres assaltaram uma loja da marca Victor Hugo no centro de Campo Grande (MS) e levaram 12 bolsas. Cotidiano, 18.fev.2004
 Bolsa se recupera depois de quedas. Dinheiro, 18.fev.2004

As três eram pessoas de classe média. As três tinham modestas posses mas as três eram ambiciosas, e sonhavam com a prosperidade: apartamentos luxuosos, carrões, jóias, vestidos caros. Precisavam de dinheiro, portanto, dinheiro que não poderiam esperar de um marido (duas eram solteiras, uma terceira divorciada). Pergunta: como arranjar uma grana, a curto prazo? Tentaram várias loterias, sem êxito. Apostaram numa alta do dólar, e também se deram mal. E aí pensaram na Bolsa.
Que vinha subindo, e já era considerada como o melhor investimento no país. Mas as três não tinham muita sorte. Tão logo fizeram as aplicações, as ações tiveram quedas violentas e elas perderam dinheiro.
Contudo, a aventura lhes deu uma idéia, a idéia das bolsas. Este é um acessório extremamente valorizado na moda. Uma bolsa de grife, disso sabiam, pode valer R$ 3.000 ou R$ 4.000. Vender bolsas seria um negócio lucrativo. O problema é que elas não tinham bolsas. Nem dinheiro para comprar bolsas. Depois de discutir muito chegaram à conclusão de que a única forma de conseguir bolsas seria roubá-las.
Um procedimento arriscado, mas exequível: questão de técnica. Não usariam violência, a menos que fosse necessário. Nada de revólveres, nada de metralhadoras, armas que aliás nem sabiam usar. No máximo um canivete, para ser usado em último caso. Quanto à técnica, dependeria de um detalhe fundamental: precisavam esconder bem o produto do furto. Decidiram usar saias longas e esconder sob elas as bolsas. Ninguém, nem mesmo uma vendedora, se atreveria a pedir que erguessem a saia. O espaço delimitado pela saia de uma mulher é um espaço secreto; e o segredo é essencial tanto para a moralidade, como para os negócios.
Treinaram bastante, e aprenderam a segurar bolsas (baratas, mas a manobra valeria para as caras) entre as pernas. Não era difícil. Caminhavam de maneira um pouco rígida, como se fossem top models, mas isso era até adequado para a encenação.
E aí partiram para a empreitada. Que poderia ter dado certo, não fosse o problema com uma bolsa, justamente aquela que tinham valorizado mais. Quando já estavam de saída, a maldita caiu de entre as pernas de uma das mulheres. Seriam frustradas, mais uma vez, pela queda da Bolsa?
Não. Aí entrou em jogo o canivete: a vendedora foi informada de que se tratava de um assalto, e se comportou de acordo, deixando que as três saíssem com suas bolsas. E elas se foram, convencidas de que a violência é apenas a continuação da especulação por outros meios.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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